O presente artigo situa-se em mais uma reflexão que pretende enfocar a Educação Física não apenas como uma disciplina ou atividade, mas também entendê-la como uma proposta de caráter educativa e posicioná-la no âmbito escolar como tal. Entende-se, portanto, uma educação comprometida com os alunos, possibilitando assim, atuar no sentido de melhorar, cada vez mais, na realidade em que os mesmos estão inseridos.
A Educação Física, identificada com o trabalho físico, cumpriu e vem realizando ao longo do tempo, um papel secundário no plano cultural. Com uma prática que sofreu influências de várias abordagens, com conteúdos das aulas constituindo-se basicamente de séries de exercícios mecânicos, repetitivos e exaustivos objetivando o condicionamento físico do corpo e a prática esportiva, que tornou-se elemento da cultura corporal, predominando o exercício ginástico e posteriormente o esporte. Nesta concepção, visualiza-se as características dos papéis dos atores fundamentais envolvidos nesta atividade: instrutor e aluno. A esse respeito Bracht (1992, p.20) ressalta que a profissão do professor é a de “apresentar os exercícios, dirigir e manter a ordem e a disciplina e ao segundo compete repetir e cumprir a tarefa solicitada do instrutor”.
Posteriormente, as funções do então professor instrutor e do aluno recruta passa para o de professor treinador e de aluno atleta, onde a socialização do professor é sinalizada pela atividade esportivista e tal comportamento é bastante notório nos dias atuais.
Verifica-se, entretanto, mesmo com todo o avanço tecnológico na área da Educação Física e da realização de debates nacionais, estaduais e municipais discutindo experiências profissionais que deram origem às várias abordagens metodológicas, muito importantes para o processo de legitimação da disciplina no currículo escolar, bem como do surgimento de várias publicações analisando e contextualizando a Educação Física escolar nos aspectos social, econômico e político, a ação pedagógica de muitos professores que atuam nesta área, ainda hoje reproduz os mesmos modelos de comportamentos acima citados.
Desta forma, o presente estudo, através de uma revisão bibliográfica, busca contribuir no sentido de propor uma reflexão sobre a Educação Física escolar enquanto componente que trata da cultura corporal e que possui um vasto repertório de manifestações culturais e que podem ser trabalhadas de forma contextualizadas e sistematizadas, onde não se objetive apenas a reprodução estereotipada e fragmentada do gesto ou movimento, mas que lhe seja dado um objetivo, para que essa ação corporal possa ter realmente um significado.
Partindo deste entendimento, devese buscar não apenas a dimensão motora do aluno, como objeto de estudo, de modo que os professores de Educação Física passem a tomar conhecimento da especificidade do seu papel como gestor social, e que não basta apenas propostas diferentes, pedagógicas, mais coerentes, democráticas e humanas.
É preciso colocálas em prática e tornálas mais bemsucedidas. Tratase então, de localizar em cada um destes aspectos da cultura corporal seus benefícios fisiológicos e psicológicos e suas probabilidades de utilização como instrumentos de comunicação, expressão, lazer e cultura.
À luz da educação física do movimento
Segundo Oliveira (1994, p. 25), o motivo que levou a Educação Física a ser introduzida na Escola é decorrente, principalmente dos benefícios proporcionados pelos exercícios físicos à saúde do praticante. Contudo, é necessária uma reflexão detalhada acerca dos envolvidos neste contexto, como também as questões técnicometodológicas, ou seja, o conhecimento específico da Educação Física Escolar.
Para que possamos entender esses problemas que inquietam a muitos no tocante postura do professor dentro de sua prática, fazse necessário um breve estudo da história da educação física no Brasil, bem como a política pedagógica do profissional que atua nessa área.
Dentre vários estudiosos, podemos destacar Ghiraldelli Júnior (1988, p. 16) quando resgata cinco tendências da educação física brasileira:
Educação física higienista – até o ano de 1930;
Educação física militarista – de 1930 a 1945;
Educação física pedagogicista – de 1945 a 1964;
Educação física competitivista – após o ano de 1964;
Educação física popular.
Educação física militarista – de 1930 a 1945;
Educação física pedagogicista – de 1945 a 1964;
Educação física competitivista – após o ano de 1964;
Educação física popular.
Em cada um desses períodos, existe uma concepção de mundo que se faz dominante nas diferentes épocas e determina quais e como serão seguidas as regras da classe dominante. Esta periodização, utilizada por Ghiraldelli Júnior, baseiase na pedagogia críticosocial dos conteúdos defendidas por Libâneo (1986) que, na classificação das tendências pedagógicas brasileiras, fornece subsídios para o entendimento de áreas concomitantes.
Para a concepção higienista, a saúde está em primeiro plano, não só como responsável pela constituição de homens e mulheres sadios, mas também como meio de sanar o problema da saúde pública através da educação: “... a educação física higienista não se responsabiliza somente pela saúde individual das pessoas. Em verdade, ela age como protagonista num projeto de assepsia social ...” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p. 17). Para aprofundar o poder junto à sociedade, garantindo a relação ordem média versus norma familiar, os higienistas percebem que a questão básica reside no disciplinamento do corpo dos homens, que segundo Costa (1983, p. 179), “Viam na educação física um fator capital na transformação social: o benefício e a utilidade comum são o objetivo principal da ginástica; a prática de todas as virtudes sociais, de todos os sacrifícios mais difíceis e generosos são seus meios.”
Enquanto isto, a educação física militarista pretende estabelecer, na sociedade, padrões de comportamento estereotipados, próprios do regime de caserna: “... o objetivo fundamental (...) é a obtenção de uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra. Para tal concepção, a educação física deve ser suficientemente rígida para elevar a Nação à condição de servidora e defensora da Pátria”.
Na visão pedagogicista (19451964) procurase identificar a educação física, não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas como uma prática eminentemente educativa, que através da educação do movimento, é capaz de promover a educação integral. Preocupase com a juventude que freqüenta as escolas. A ginástica, a dança, o desporto são meios de educação do alunado, capazes de levar a juventude a aceitar as regras de convívio democrático e de preparar as novas gerações para o altruísmo, o culto a riquezas nacionais.
Na educação física (após 1964), prevalecem a competição e a superação individual, como valores fundamentais e desejados para uma sociedade moderna”. Voltase para o culto do atletaherói, ou seja, aquele que, não obstante todas as dificuldades, chega ao pódio: “Aqui a educação física fica reduzida ao ‘desporto de alto nível’. A prática desportiva deve ser ‘massificada’, para daí poder brotar os expoentes capazes de brindar o país com medalhas olímpicas. Educação física é sinônimo de verificação de performance.” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p. 20).
Em tal perspectiva, embora não assuma, a educação física competitivista tornase agente das classes dominantes na tarefa de desmobilização popular. Tanto o desporto de alto nível, o desportoespetáculo, é oferecido em doses exageradas pelos meios de comunicação à população, como explicitamente, é introduzido, no meio popular, através de numerosas ações governamentais.
Em linha similar de pensamento, CUNHA (1987, p. 111) afirma que a filosofia proposta pelo governo militar, que toma o poder em 1964, tem como idéia central, no caso da educação física, a esperança de que “o estudante, cansado e enquadrado nas regras de um esporte, não teria disposição para entrar na política.” Como decorrência, o incentivo à participação dos jovens na área desportiva concretizase no oferecimento de bolsas de estudo, em todos os níveis escolares, àqueles que se sagram campeões, ao mesmo tempo em que se transmite à sociedade, em geral, a sensação de uma verdadeira igualdade social.
A educação física popular é a única concepção de educação física que, “paralela e subterraneamente, veio historicamente se desenvolvendo com e contra as concepções ligadas à ideologia dominante”. (GHIRALDELLI JÚNIOR, 1988, p. 21). Nesta concepção, procurase atender o maior número de pessoas para a prática de atividade física, sem qualquer distinção.
Ao estudar a história verificase que esta manifesta, via de regra, como algo articulado, em uma autêntica “descoberta” de fatos, nomes e datas, percebidos de forma esparsa, sem nexos. Esta maneira de compreender a história não permite o entendimento dos “porquês”, uma vez que concebe os fenômenos como prédeterminados, acontecimentos estes, gerados de forma espontânea.
Nesta concepção histórica, o tempo extrapola a simples cronologia para adquirir um caráter interpretativo do passado para a compreensão do presente, na busca da superação daquilo que denomina “naturalização, isto é, do que as coisas são assim porque têm que ser, sempre foram assim”. (ARANHA , 1989, p.58)
E é nesse contexto histórico do sistema educacional que a educação física é caracterizada como atividade que, por meios, processos e técnicas, desperta desenvolve e aprimora forças físicas, morais e cívicas. Adotada por um paradigma militarista, esta disciplina no Brasil, não conseguiu libertarse no quadro geral da educação brasileira.
Nesse sentido, o estudo da Educação Física Escolar no Brasil pode representar importante contribuição para a concepção críticoemancipatória, que merece atenção a proposta efetivada por Kunz (1993, p.86) perspectivando uma nova prática pedagógica que ajuda a desvelar os interesses e condicionantes sociais, ideológicos e mercantilistas que se encontram subjacentes, por exemplo, a Educação física orientada no esporte de rendimento.
Não se trata de ser contra às organizações das práticas desportivas no âmbito escolar. O que se propõe, é que esta prática deve ser aberta à participação de todos os interessados, sem a seleção de alguns por qualquer critério. .O impasse se configura na confusão que se estabelece entre a Educação Física e o treinamento desportivo “cujo princípio penso serem diferentes, por isso, não posso concordar com a simples substituição da primeira pelo segundo”. (VAGO, 1999, p.47).
Neste contexto, não se enfoca uma ênfase no aspecto pedagógico que envolve a aprendizagem, tão pouco, observase uma preocupação com os aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos que abrangem o esporte nos dias atuais e em toda a sua história, tanto no cenário social mais amplo quanto no âmbito escolar.
De acordo com Carmo (1989 p.72):
“a educação do corpo ou conhecimento do físico, tem sido cultivada há milênios, quer para fins esportivos quer para fins de sobrevivência... e ainda hoje é bastante utilizado tanto no ensino formal como no informal, pois percebese nitidamente que no desenvolvimento histórico de outros conteúdos (matemática, biologia), que a Educação física não acompanhou as modificações ocorridas nesta disciplinas e, sobretudo, no tocante à sistematização organizacional dos conteúdos veiculados”.
Nesse quadro, ao professor de Educação Física cumpre pois, dirigir e orientar os exercícios, organizálos em série, enfim, pelos processos vários de mensuração que provierem dos exercícios e dos inconvenientes que os determinam. Estes aspectos traduzem a realidade da Educação Física escolar brasileira. Observase que as semelhanças entre os pontos que caracterizaram a disciplina nos anos 40 e as atuais se devem principalmente “às tendências reprodutivistas e estereotipadas propagadas ao longo do tempo. CASTELLANI FILHO (1995, p.16)”.
Encontro com a consciência corporal
Segundo Monlevade (1986, p.15), partindo de um conceito amplo de educação na visão sociológica afirma que “a educação é um processo de transmissão e indução de cultura que se dá no convívio entre gerações numa determinada sociedade”. .Por transmissão, entendese o que se passa do patrimônio cultural de uma geração para a outra. Por indução compreendese o que se cria de novo no contexto dessas gerações. E na educação escolar ocorre o mesmo processo. Embora não seja o único, a escola é um lugar social privilegiado de e para a formação humana. Além do processo, ela suporta, por sua intencionalidade um projeto elaborado por atores que visam objetivos determinados e se organizam para tal.
Por isso, é necessário superar a ênfase de certas práticas e caracterizar a Educação Física de forma mais abrangente, incluindo as dimensões do ser humano envolvido em uma prática corporal. Fazêla diariamente tempo e lugar de produção de cultura – que problematize e transforme o conhecimento já construído, produzindo novos conhecimentos. Penso que “nossas posições e práticas em relação escola e particularmente em relação ao ensino da Educação Física , devem estar orientadas por essa realidade”. VAGO (1999, p.39)
De acordo com Freire (1994, p. 38) “corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola”. Portanto, entendese a Educação Física como uma linguagem que integrase com outras linguagens e é essa articulação que deve se refletir na apropriação do conhecimento da cultura corporal de movimento.
Em seus estudos, Daólio (1995, p.36) afirma “que a natureza humana é ser um ser cultural, ao mesmo tempo fruto e agente da cultura”. Nesta proposição, o professor da disciplina Educação Física escolar tem uma função relevante a exercer, pois ocupa uma posição privilegiada para dar respaldo de cunho educativo e social junto aos seus alunos. É um propósito a ser alcançado por todos aqueles que acreditam e começam a perceber a importância de se recuperar o sentido humano do corpo.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p.29), a Educação Física deve ser entendia como:
“Uma área de conhecimentos da cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzila, reproduzila e transformála, instrumentalizandoo para usufruir os jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginásticas em benefício do exercício crítico de cidadania e da melhoria da qualidade de vida”..
Notadamente a Educação Física Escolar deve dar oportunidades a todos os alunos para que desenvolvam suas potencialidades, de forma democrática, visando seu aprimoramento como seres humanos, em todas as suas dimensões. É nesse princípio de inclusão, que aponta para uma perspectiva metodológica de ensino e aprendizagem que busca o desenvolvimento da autonomia, a cooperação, a participação social e a afirmação de valores. Pois a linguagem do corpo não pode e nem deve ser reduzida a um simples veículo de transmissão de informações e mensagens “de um ensinar e de um receber , porém objetiva firmarse como espaço de interlocução e construção de cidadania”. PCN + (2002, p.145)
Salientase, no entanto, que a mudança na prática educativa implica alterar concepções enraizadas e, sobretudo, enfrentar o cotidiano já existente. “Apontase, pois, para a existência de outros condicionamentos que não sejam apenas a do esporte e da aptidão física” . BORGES (2003, p.63)
Portanto, a busca de alternativas que apontam na direção da descobertas de propostas diferenciadas de ensino que possibilitem a todos a oportunidade de desenvolvimento pleno de suas pontecialidades.
O profissional da área da Educação Física é responsável pela formação de cidadãos em relação à transmissão de saberes sociais historicamente produzidos. Neste sentido, é que sua prática está intrinsecamente relacionada ao processo criador, perpassando assim, a simples transmissão de conhecimentos. Portanto, mudar a prática educativa implica alterar concepções enraizadas e, sobretudo, enfrentar uma gama de transformações importantes na forma costumeira do desenvolvimento das aulas.
O ensino de jogos, brincadeiras, esportes, lutas e ginásticas às vezes são insuficientes. A Educação Física da escola precisa ser diferente, pois é de outro contexto, com características e formas peculiares ”que não são vistas em outros espaços onde tais atividades são praticadas”. NEIRA (2003, p.2)
Partindo do pressuposto de que cada aluno é um ser singular e com um tempo próprio para aprender e que o mesmo se encontra, em relação aos demais, em nível diferente, referente ao processo de conquista e construção de seu conhecimento, é importante que o educando seja instigado e estimulado a adotar a situação de sujeito dessa construção.
Parece provável que os profissionais que atuam na área da Educação Física escolar se desvencilharem das posturas em que se constituem as rotinas da prática acrítica, reducionista e utilitária que caracterizou a Educação Física brasileira até o limar da década de 80, poderão de forma crítica, autônoma e coletiva construir esta nova perspectiva para as aulas de Educação Física em nossas escolas.
Conclusão
Com base nos estudos realizados verificouse que o conteúdo teórico e a prática pedagógica que os professores de Educação Física têm sobre cultura corporal restringemse à ginástica escolar, musculação e alguns esportes mais praticados no país. Nessa perspectiva há uma preocupação de ensinar capacidades e habilidades físicas, deslocadas de tudo aquilo que constitui o processo de transformação da natureza pelo trabalho, no qual se constrói o mundo da cultura.
A Educação Física é uma área de conhecimento que se constitui de uma variedade de atividades como; ginásticas, dança, lutas, jogos, esporte, atividades rítmicas, dentre outros. No entanto, as pesquisas realizadas por estudioso mostram que somente os aspectos acima citados são contemplados pelo profissional que atua nesta área. Nesta visão é possível generalizar que a Educação Física nas escolas está reduzida a uma parcela muito pequena das várias expressões que o corpo humano pode manifestar.
Nesse contexto, merece destacar os argumentos de Darido (l997, p.85):
“Todos os professores participam antes e durante o curso de graduação de jogos e campeonatos mais tradicionais. Essas experiências têm papel de destaque no desempenho profissional, por isso há resistência quanto à mudança da escolha dos conteúdos e dos métodos utilizados para o seu ensino”.
Com base nos resultados obtidos, percebese que um número significativo de professores não vem acompanhando as mudanças e inovações ocorridas na área em questão a partir da década de 80, época em que começou a surgir novas propostas para a Educação Física Escolar. Os estudiosos que tratam desta questão são unânimes em afirmar que os conteúdos desenvolvidos nas aulas devem privilegiar e abranger todas as formas de cultura corporal, um modelo de prática que possa oferecer meios para que os alunos reflitam sobre a questão da cultura corporal , permitindolhes uma autonomia nas referidas práticas.
Mudar esta realidade é uma questão de consciência. É de suma importância que o profissional que atua nesta área, examine a sua prática, os seus objetivos, a sua formação acadêmica. Temse que buscar sempre uma formação continuada, procurando novas informações, uma transformação de postura em sua prática pedagógica, colocandoa em benefício de uma melhor qualidade de vida do nosso alunado.
Essa visão leva a vislumbrar novos horizontes para a prática da Educação Física enquanto componente curricular, que pode romper com a educação unilateral ao contemplar o movimento humano como forma de expressão e sujeito que faz história e entender o ser humano não apenas em relação ao seu aspecto biológico, mas sim como um ser biológico social. Concepção essa, que tem como propósito o entendimento acerca da atividade e de sua importância frente ao desenvolvimento integral do educando.
Fonte: www.ufpi.br
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