O cientista político e cicloativista colombiano Andrés Jara Moreno esteve em São Paulo semana passada para participar do seminário sobre mobilidade urbana na Câmara de Vereadores. Coordenador de Relações Internacionais e um dos principais integrantes da prefeitura de Enrique Peñalosa na capital Bogotá (1998-2001), ele foi responsável pela organização e execução de projetos relacionados ao transporte público e à implantação das ciclorrutas na cidade (foto ao lado).
Atualmente com mais de 310 quilômetros de faixas exclusivas para bicicletas, Bogotá se tornou um case de sucesso para a América Latina quando o tema é planejamento urbano voltado para ciclistas e pedestres. Mas, como afirma Moreno, nem sempre a cidade foi tão receptiva à ideia de abrir mão de espaços nas vias em detrimento dos veículos. “Tivemos que reeducar o povo de Bogotá para a noção de que as ruas devem ser democráticas, mas priorizando quem de fato está nelas”, conta. Como o próprio Peñalosa, ele acredita que recuperar as ruas e as calçadas para quem está fora dos carros particulares cumpre um importante papel social nas metrópoles. “Mais importante do que as críticas, é que essas infraestruturas oferecem uma opção de locomoção para uma massa crítica que não tem como comprar um carro ou muitas vezes pagar pelo serviço de transporte público todos os dias”, diz.
Para o colombiano, a exemplo do TransMilenio de Bogotá, integração com os modais de massa deve ser um dos focos para o sucesso do projeto de expansão da malha cicloviária de São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad, que promete criar um total de 400 quilômetros de faixas até o final de 2015.
Diretor da própria consultoria de planejamento, a Criteria, Moreno também foi diretor doInstitute for Transportation and Development Policy (ITDP) na Colômbia e participou de projetos para implantação de sistemas Bus Rapid Transit e transporte sobre trilhos em países como China, Índia, Indonésia, África do Sul e México, entre outros. Em entrevista ao Planeta Sustentável e ao blog, ele conta como São Paulo pode se beneficiar das lições aprendidas em Bogotá no começo da década passada.
Bogotá continua uma referência na América Latina quando o tema é mobilidade e planejamento urbano, especialmente para as bicicletas. Como a cidade conseguiu isso e qual foi o peso do governo de Enrique Peñalosa?
É preciso entender antes o processo histórico e social, que abriu a cabeça dos cidadãos para isso. As primeiras ciclovias da cidade surgem em 1974, quando o prefeito Augusto Ramirez Ocampo fechou dez quilômetros de vias principais aos fins de semana e feriados para que as pessoas pudessem caminhar, pedalar, andar de patins… Com o tempo essa ideia foi crescendo até chegar aos atuais 128 quilômetros que temos de ciclovias de lazer. Mas embora já tivessemos essa tradição do ciclismo para esporte ou lazer, Bogotá nem sempre foi uma cidade amigável com ciclistas que utilizam a bicicleta como meio de transporte entre suas casas e o trabalho nos dias de semana.
Os ciclistas eram como uma casta de párias. Em 1998, primeiro ano do governo Peñalosa, apenas 0,4% das viagens diárias na cidade eram feitas de bicicleta e acidentes fatais envolvendo ciclistas no eram constantes. Para aumentar esse número e a sensação de segurança foram realizadas algumas campanhas pedagógicas, além de investimentos em infraestrutra, desestimulando o uso do carro particular e a violência no trânsito.
A primeira foi limitar as vagas de estacionamento nas ruas e conscientizar as pessoas de que as calçadas são para os pedestres. Tínhamos na época um problema com os motoristas parando em cima delas, estavam acostumados a desrespeitar os pedestres. Era um começo. Foi necessário um pouco de “mano dura” do prefeito e autoridade legal, mas, resgatando as calçadas, ensinamos sobre a importância de dividir democraticamente as ruas entre os diferentes modais.
Em São Paulo, a prefeitura tem sido bastante criticada por alguns setores por conta da implantação de ciclovias e ciclofaixas. Um dos argumentos é de que elas são pouco utilizadas e, portanto, desnecessárias. O que deve ser levado em conta para projetá-las, a oferta ou a demanda?
Essa é uma questão que a engenharia de tráfego nos EUA responde com a frase “If you build it, they will come” (na tradução “Se você construir, eles virão”). Ou seja, é construindo que se vai gerar oferta e, logo, uma demanda. Como eu disse, apenas 0,4% das viagens diárias eram feitas em bicicleta no momento anterior à implantação das ciclorrutas, que são distintas por possuírem barreiras físicas entre os carros e as bicicletas. Ao todo, foram construídas 313 quilômetros conectando os pontos cardeais da cidade em vias de alto, médio e baixo fluxo de automóveis. No final do governo Peñalosa, esse número passou para 3%, chegando depois aos atuais 6%.
Mas como contornar as críticas?
Mais importante do que as críticas, é que essas infraestruturas oferecem uma opção de locomoção para uma massa crítica que não tem como comprar um carro ou muitas vezes pagar pelo serviço de transporte público todos os dias. As ciclovias e ciclofaixas são uma necessidade social, é contraproducente dizer que não se pode desenhá-las na cidade pois as pessoas não as usariam. Além disso, é importante ressaltar o quanto as pessoas podem se beneficiar delas em termos de qualidade de vida.
As bicicletas deixam as pessoas mais saudáveis, mais produtivas e menos estressadas. E por serem uma alternativa verde, ajudam a reduzir os níveis de poluição atmosférica e sonora na cidade. Por outro lado, já está comprovado nas grandes cidades globais que priorizar pedestres e ciclistas no planejamento urbano também traz um incremento para a economia e um aumento no consumo local. As pessoas passam mais tempo na rua, reparam mais nos comércios e lojas e acabam comprando mais. No final, é esse aspecto que convence os críticos, pois para muitos deles o carro ainda é um sinal de status também.
Na sua opinião, o que São Paulo pode aprender com Bogotá e melhorar em seu programa para os ciclistas e, no geral, para a mobilidade urbana?
Para uma cidade com oito milhões de habitantes, Bogotá tinha um sistema de transportes bastante informal antes do governo Peñalosa. Fizemos uma política integral para desestimular o uso dos veículos particulares, a começar pela construção do sistema BRT (Bus Rapid Transit), o Transmilenio, inspirado no Ligeirinho de Curitiba. Mais do que isso, oferecemos a possibilidade de integração entre os diferentes modais. Se a pessoa quer usar a bicicleta e o Transmilenio, ou deixar o carro em algum lugar e terminar o trajeto de ônibus, ela tem que poder. É vital oferecer isso.
Quando planejamos mobilidade, especialmente na América Latina, é preciso conceber o sistema como um corpo humano, lembrando que a maioria dos deslocamentos se dá das periferias para o centro e de volta nos horários do pico. De manhã, a cidade se contrai e, no final do dia, relaxa. Como um coração, é preciso que as vias estejam abertas. Os congestionamentos são artérias entupidas. O ganho de velocidade e capacidade no transporte público é o que funciona, pois é onde está a maioria das pessoas. É uma questão de lógica. Três carros levam geralmente três motoristas, um ônibus que ocupa o mesmo espaço na via leva mais de setenta.
De forma que funcione o programa de Fernando Haddad para São Paulo, é preciso que a cidade ofereça opções de integração, mais do que melhorar o desenho das faixas para ciclistas já implantadas em alguns locais. Ofertar, por exemplo, bicicletários de graça nos metrôs, descontos ou gratuidade para ciclistas no transporte público é uma forma de incentivar o uso misto de modais.
As faixas exclusivas são boas, mas não são o suficiente. Infelizmente, sem transporte público de massa eficiente, as ciclovias e ciclofaixas não vão funcionar.
Fotos: Pedro Felipe/Wikicommons e Divulgação
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