Kate Moss nas capas das edições australiana e ucraniana da “Harper’s Bazaar” ©Terry Richardson/Reprodução
A já notória inconstância financeira que
atinge o mercado editorial de moda deu origem a um fenômeno que, em
tempos de grande preocupação ambiental, pode ser apelidado de
“reciclagem fotográfica”. A reimpressão de imagens por parte de edições
internacionais de títulos influentes é cada vez mais frequente – e uma
prova inequívoca de que a abundância orçamentária faz parte do passado.
As versões australiana e ucraniana da
“Harper’s Bazaar”, por exemplo, utilizaram em suas capas de agosto
fotografias de Kate Moss feitas na Jamaica por Terry Richardson.
Coincidência? Parceria? Não, apenas reimpressão de imagens produzidas
pela edição americana do título, que foram publicadas em junho deste
ano. O intercâmbio de material entre publicações comandadas pela mesma
editora, como no caso citado acima, não é novidade, mas essa
“reciclagem” tão frequente abre espaço para um questionamento: qual o
motivo de estabelecer uma edição própria para determinado país se o
desenvolvimento de conteúdo local é mínimo?
Gisele Bündchen nas capas da “Vogue” americana de abril/2010 e da “Cosmopolitan” australiana de jan/2012 ©Reprodução
O caso da “Harper’s Bazaar”, no entanto,
é até irrelevante quando comparado ao que ocorreu com três edições da
“Vogue”: em abril de 2010, Gisele Bündchen foi fotografada por Patrick Demarchelier
para a revista editada por Anna Wintour; em janeiro de 2012, a
“Cosmopolitan” australiana imprimiu em sua capa a mesma imagem estampada
no título anterior (com detalhes alterados via Photoshop, claro). Já
Carey Mulligan estrelou em outubro de 2010 sua primeira capa da “Vogue”
americana; coincidentemente – ou não –, a mesma fotografia de Peter
Lindbergh foi reimprimida pela “Glamour” alemã em dezembro e, em
novembro de 2011, pela “Elle” francesa.
Carey Mulligan nas capas da “Vogue” americana de out/2010, da “Glamour” alemã de dez/2010 e da “Elle” francesa de nov/2011 ©Peter Lindbergh/Reprodução
Kate Moss foi capa da “Vogue” japonesa
de maio de 2011, fotografada pela dupla Mert Alas & Marcus Piggott.
Em novembro do mesmo ano, a “Marie Claire” australiana utilizou
exatamente a mesma imagem, também estampada em sua abertura. Mas, um
momento: “Vogue”, “Elle” e “Marie Claire” realizando intercâmbio de
material? “Vogue” e “Glamour” pertencem à Condé Nast; no entanto, os
outros títulos são veiculados por editoras diferentes (e concorrentes),
então, como ética e legalmente tal fato pode acontecer?
Kate Moss nas capas da “Vogue” japonesa de maio/2011 e da “Marie Claire” australiana de nov/2011 ©Mert & Marcus/Reprodução
A “reciclagem” entre revistas agrupadas
sob o mesmo selo é compreendida apenas como corte de despesas, mas a
única explicação para a reimpressão da mesma fotografia em títulos
publicados por diferentes editoras é a venda da imagem por parte do
fotógrafo. Surge aí um novo porém: as edições internacionais da “Vogue”
são, em geral, desenvolvidas com contrato de exclusividade, dessa
maneira, é quase que inviável que um profissional possa vender um
editorial, ou até uma matéria, para outras revistas. E, no caso dessa
possibilidade existir, por que razão os responsáveis por um veículo
renomado decidem reutilizar conteúdo difundido anteriormente por um
concorrente?
Gisele Bündchen em editorial para a “Muse” e na capa da “Elle” brasileira de maio/2011 ©Nino Muñoz/Reprodução
No Brasil, a “Elle” nacional trouxe
Gisele na capa de sua edição de aniversário de 2011, no mês de maio. A
imagem de Nino Muñoz, integrante no editorial “Earth Angel” da revista
“Muse” número 22, foi publicada originalmente em meados de 2010. A
“Lola”, em dezembro de 2010, também trouxe a modelo em fotografia de
Muñoz que, por sua vez, foi feita para a revista dinamarquesa “DANSK” de
Outono/Inverno 2009. É importante dizer que os títulos compraram o
direito de utilizar as imagens: não houve desrespeito legal, nem
tampouco “Elle” e “Lola” reimprimiram material de seus concorrentes. O
que acontece, especialmente quando se trata de Gisele, é que o efeito
que uma modelo ou celebridade de peso causa na capa de uma revista faz
toda a diferença e resulta em um impacto e interesse maior por parte do
leitor. Então, quando acontece de a revista não contar com uma
personagem classe A para aquela edição, uma das alternativas é comprar
uma foto já feita.
Gisele Bündchen nas capas da “DANSK” 22 (de Outono/Inverno 2009) e da “Lola” de dezembro/2010 ©Nino Muñoz/Reprodução
A “reciclagem” no Brasil não fica apenas
no quesito fotográfico. As revistas nacionais parecem disputar a cada
edição as mesmas modelos, de um modo tão visível que em um mês uma
garota estampa a capa de “x”, já no seguinte ela está em “y”, somente
com maquiagem e styling diferente. A falta de rostos novos, no entanto,
não pode servir como justificativa: o país é a cada ano apontado como um
celeiro de belezas de todos os gêneros. Mas é certo que o fato de que
nossas melhores tops moram fora do Brasil não ajuda na dinâmica da
produção da capa, exigindo o deslocamento de profissionais para
fotografar em outro país ou pagar a vinda da modelo (além de conseguir
um espaço na agenda).
A questão é controversa nos dois gêneros
de “reciclagem” editorial. As despesas se acumulam em direitos autorais
hipotéticos – já para o público, sobra o déficit de produção original e
adequada às “necessidades” locais.
Fonte e veja mais em FFW.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário.