Thalita Gelenske Cunha, fundadora da Blend Edu, startup dedicada à promoção da diversidade em empresas e escolas (Foto: Frédéric Neema)
Negócios que apostam em pluralidade inovam mais, afirma Thalita Gelenske Cunha, da Blend Edu.
Quando trabalhou no departamento de RH da Vale, Thalita Gelenske Cunha, 29, se deu conta da importância de uma política empresarial inclusiva, aberta a colaboradores de todas as origens, gêneros e etnias. Como mulher e membro da comunidade LGBT, ela conta que, a partir dessa percepção, tratou de complementar seu curso de administração de empresas na Uerj com um mestrado na FGV, dedicado a diversidade. Descobriu que apostar na contratação de pessoas que representam os mais diversos padrões sociais não é apenas um traço civilizatório — também dá lucro.
“Quanto maior a diversidade do quadro de funcionários, maior a conexão da empresa com os consumidores e, por extensão, melhores os seus resultados financeiros”, diz. A Blend Edu, sua empresa, faz exatamente isso: treina funcionários para valorizar a diversidade. Thalita foi escolhida para representar a juventude brasileira no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, no fim do mês.
Como será sua participação no Fórum Econômico Mundial?
Eu fui escolhida como representante do que eles chamam de comunidade jovem mundial, que dessa vez será formada por 42 pessoas, com menos de 30 anos, de todos os continentes. Depois da Primavera Árabe, em 2011, os organizadores do evento perceberam que os jovens têm um papel importante nos destinos do mundo e criaram um grupo chamado Global Shapers, do qual eu faço parte no hub do Rio de Janeiro. Não mantemos um vínculo oficial com o Fórum, mas somos incentivados a criar projetos sociais localmente, que influem na escolha dos representantes dessa comunidade no Fórum. Participamos do evento como ouvintes, mas podemos ser chamados para falar sobre os temas de nossos projetos. O meu tema é a diversidade, com destaque para valorização das mulheres e da comunidade LGBT.
Quantos jovens fazem parte dos Global Shapers?
São cerca de 7 mil, no mundo todo. Os interessados em participar do Fórum se inscrevem e respondem a questionários sobre a sua formação profissional e os projetos nos quais estão envolvidos. Eu fui a única escolhida do Brasil. Na América Latina, somos seis representantes.
Antes de empreender, você trabalhou na Vale. Qual foi o papel de uma grande empresa na sua formação?
Eu trabalhava no departamento de RH da Vale. Entrei lá em 2011 e saí em junho de 2018 para fundar a Blend Edu. Foi trabalhando com o engajamento dos funcionários, a cultura organizacional da Vale e o esforço para ampliar a diversidade dentro da empresa que eu me descobri uma empreendedora social.
Essa experiência a levou a se interessar por diversidade?
Sim, esse trabalho abriu meus olhos para a importância da diversidade. O fato de ser mulher e pertencer à comunidade LGBT me fez refletir sobre o que eu poderia fazer pessoalmente, para além das minhas atribuições como profissional de RH, para colocar esse tema em discussão na sociedade e, aos poucos, ir quebrando as barreiras que ainda impedem o acesso de certas minorias ao trabalho. Essa é uma dor muito clara para mim. Entendi que eu fazia parte do problema, mas também que podia fazer parte da solução. Uma frase que ouvi certa vez, num evento de apoio ao empreendedorismo na Endeavor, me marcou muito: “A sua responsabilidade é do tamanho do seu privilégio”. Como eu me sinto privilegiada pela formação que tive, entendo que tenho a responsabilidade de atuar em favor da diversidade, na mesma medida.
Thalita Gelenske Cunha, fundadora da Blend Edu (Foto: Frédéric Neema)
Como a diversidade está se incorporando à cultura das grandes empresas no Brasil?
Muito bem. Meu papel na Vale foi mais de semeadora, liderando programas de conscientização sobre a importância de conviver com pessoas das mais diversas origens, gêneros e etnias no ambiente de trabalho. Em 2011, esse tema ainda era novo nas empresas, mas foi ganhando força à medida que as lideranças empresariais perceberam que a diversidade, além de ser um preceito de justiça social, tem um impacto positivo nos negócios. Quanto maior a diversidade, maior é a possibilidade de uma empresa se conectar com o mercado consumidor e, assim, aumentar seu faturamento. Empresas que têm contato mais direto com o consumidor foram as primeiras a se dar conta disso. Já aquelas que se relacionam mais com outras empresas, ou em setores com mão de obra majoritariamente masculina, como o da mineração, demandaram mais tempo para perceber.
A proporção de mulheres na Vale aumentou?
Não chegou a aumentar, até porque foram vendidas algumas unidades cujo percentual de colaboradoras era maior. O índice de mulheres contratadas continuou por volta de 14%, mas o nível de entendimento do valor da diversidade certamente aumentou bastante.
Promover a diversidade é uma questão de princípios. Mas o que você diz para quem pede argumentos objetivos?
Vários estudos quantificam vantagens da inclusão. Uma pesquisa da Harvard Business Review, de 2016, mostra que as empresas que apostam na diversidade têm 45% mais chances de aumentar sua participação no mercado. As que estão mais avançadas nesse tema tiveram resultados 35% melhores do que suas concorrentes, segundo um estudo da [consultoria] McKinsey, de 2015. Os funcionários de empresas que praticam a diversidade são 17% mais engajados, e 75% deles reconhecem que há espaço para inovar no trabalho que fazem, de acordo com uma pesquisa da [consultoria de recursos humanos] Hay Group, de 2015. O que esses estudos demonstram, no fundo, é que uma equipe diversa, com áreas de conhecimento e experiências diferentes, tem mais capacidade para lidar com os desafios empresariais. Isso também vale, de uma maneira geral, para o mundo, nas discussões políticas.
Quais empresas servem de exemplo para quem quer estimular a diversidade?
Eu começaria citando a empresa Thoughtworks, uma companhia americana de tecnologia, presente no Brasil desde 2009, que tem uma política de inclusão e foi eleita a companhia mais amada pelos funcionários no ranking de 2018 da Love Mondays, uma plataforma que avalia a satisfação dos colaboradores nos ambientes de trabalho. A IBM é outra com programas muito interessantes de valorização da força de trabalho feminina e negra, por exemplo. A Votorantim criou um programa de trainee com o lema “Talentos diversos, futuros possíveis”, cujo recrutamento não leva em conta a reputação da universidade que os candidatos estão cursando. A empresa dá mais valor à história de vida de cada um.
Como a Blend Edu dissemina a inclusão?
Nós somos uma startup educacional que promove experiências de diversidade e inclusão em empresas e, futuramente, também em escolas. Fazemos treinamentos e palestras sobre esses temas, damos consultoria e construímos estratégias para empresas que querem avançar na diversidade. Além disso, estamos implantando uma plataforma virtual, a Diversidade S.A., que terá gravações de palestras, atualidades sobre o tema e relatos de experiências de empresas de diversos setores. Mais adiante, teremos uma plataforma voltada para educadores. Estamos no início da nossa trajetória, mas já conseguimos contratos importantes com o Metrô Rio, a 3M e o Grupo Fleury. Em todas as nossas atividades, procuramos demonstrar o valor da empatia, ou seja, da capacidade de entender e respeitar as posições de colegas de trabalho, consumidores ou alunos, por mais diferentes que sejam os seus pontos de vista em relação aos nossos. A empatia evita guerras, salva o mundo.
Como o treinamento dentro das empresas causa impacto no seu entorno?
Na experiência que fizemos na 3M, por exemplo, houve a participação de fornecedores e outros parceiros de negócio. Assim, pudemos expandir um pouco mais o impacto da nossa mensagem. O treinamento pode ser feito para todos os colaboradores de uma companhia, para trabalhadores de um departamento específico ou apenas para os líderes, como foi a opção do Grupo Fleury. Nesse caso, os líderes se encarregam de passar adiante o valor da diversidade para os trabalhadores que estão sob a sua coordenação. É bom frisar que o treinamento feito apenas com a liderança é diferente daquele dirigido a todo o quadro de funcionários. Isso permite às empresas fazer seus próprios recortes, no momento de estender o treinamento a cada grupo de colaboradores.
Como a diversidade é valorizada por pequenas, médias e grandes empresas?
As grandes corporações valorizam, mas ainda há muito o que avançar nas pequenas e médias. Das 500 maiores empresas brasileiras, cerca de 70% já entenderam esse valor e tomaram alguma decisão no sentido de diversificar a sua força de trabalho. É bom olhar para trás, para 2011, e ver como as companhias estão mais inclusivas hoje. Esse processo às vezes é um pouco demorado, pois depende de uma mudança na cultura empresarial, mas ele está em marcha e assim deve continuar. Felizmente.
O mercado exige esse comportamento das empresas?
Sim, à medida que percebe que pode ser mais bem atendido por empresas que têm um quadro de colaboradores tão diversificado quanto seus consumidores. As corporações começam fazendo campanhas pontuais. Aos poucos, vão tornando esses programas recorrentes e se convencendo da importância da diversidade, tanto para a imagem pública quanto para o negócio. Aprendem que ter um olhar de empatia para os clientes e para a comunidade da qual fazem parte atrai mais compradores satisfeitos e aumenta a receita. Se, ao contrário, resistirem a essa tendência, perderão terreno para os concorrentes.
Como a onda conservadora vista no meio político nos últimos anos, com países adotando posições menos liberais na economia e nos costumes, interfere na valorização da diversidade?
Acho que essas reações isolacionistas fazem parte da complexidade do mundo atual. Ele está cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, o que torna as previsões mais difíceis. Não temos ideia de como estaremos daqui a dois anos, o que dizer sobre daqui a cinco ou dez anos. As relações de trabalho, sobretudo, estão em xeque. Não sabemos quais serão as profissões mais requisitadas no futuro ou quais devem acabar. Só podemos supor. Essa incerteza leva ao medo do futuro e a um controle maior, com mercados e países adotando medidas protecionistas. As mudanças provocadas pela Indústria 4.0, a quarta revolução industrial, estão acontecendo muito rápido, gerando perplexidade e insegurança. Como frisou o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, há um déficit de empatia no mundo, o que é preocupante. Mas, ao mesmo tempo em que alguns governos estão derrubando pontes e construindo muros, há também cada vez mais gente entendendo a necessidade do diálogo, da compreensão do diferente. Vejo essas duas vertentes se contrapondo.
Há um certo consenso de que as inovações tecnológicas vão gerar uma imensa legião de desocupados no futuro, que precisarão de algum tipo de assistência para sobreviver. O que fazer para manter um equilíbrio social?
A história mostra que as revoluções tecnológicas provocam desemprego num primeiro momento, mas no longo prazo tendem a reequilibrar as relações de trabalho em novas bases. A atual revolução, porém, está acontecendo muito rápido e gerando mais incerteza. Vai exigir de nós a capacidade de aprender uma nova habilidade para recuperarmos um papel dentro da sociedade. Na verdade, hoje temos de aprender continuamente para não sermos superados profissionalmente. Foi-se o tempo em que nossa aprendizagem terminava com um diploma de curso técnico ou universitário. O trabalhador que não se atualizar constantemente vai ficar para trás e deixar de ser produtivo, essa é a realidade. O tema do Fórum Econômico Mundial de 2019 será exatamente esse: “Globalização 4.0 moldando a arquitetura global na era da quarta revolução industrial”. Será dividido em cinco tópicos, um deles sobre a importância da diversidade (“O diálogo é crítico e deve ser baseado em múltiplas partes interessadas”), outro sobre o crescimento com inclusão (“O crescimento global deve ser inclusivo e sustentável”).
O desafio então é evitar que as novas tecnologias da Indústria 4.0, ainda que tragam vantagens à produção e aos consumidores, não acentuem as desigualdades sociais?
Exato. E isso pode acontecer já na elaboração dos novos software, com os desenvolvedores colocando nos programas, de forma natural e não planejada, os seus pontos de vista e eventuais preconceitos. Recentemente uma estudante do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, nos EUA] demonstrou, em sua tese de mestrado, que vários software de reconhecimento facial não eram tão eficientes na identificação de usuários negros porque os desenvolvedores haviam usado muito mais referências de pessoas brancas para alimentar o algoritmo. Ou seja: é preciso ensinar o desenvolvedor a ter empatia para que ele possa ensinar a máquina a realizar uma tarefa que contemple toda a diversidade humana. Temos de juntar a tecnologia digital com o que chamamos de tecnologia social, um olhar de humanos para humanos.
Como conseguir isso?
É uma tarefa conjunta, envolvendo empresas, governos, a academia, instituições e, inclusive, a sociedade civil. Não adianta só a empresa ou só o governo fazer a sua parte. Todos precisam colaborar, seja na elaboração de leis, seja na adoção de medidas compensatórias, em manifestações, denúncias, estudos, pesquisas. A base da tecnologia social é a empatia. Da nossa parte, a Blend Edu está empenhada também em levar essa bandeira para as escolas, onde os casos de bullying são muito preocupantes. Não desenvolvemos ainda programas para escolas, mas estamos ouvindo muitos professores. Durante seis meses fiz um curso, promovido pela UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], para professores da educação básica, em que pude conhecer as principais angústias desses educadores.
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