Há quem diga que não há dia certo para beber. Outros preferem o fim de semana. Mas lembrar de bebida alcoólica em plena segunda-feira não seria demais? Parece que não para aqueles que sabem apreciar uma boa caninha, branquinha, parati, aguardente, pinga, enfim cachaça. Apreciada no país inteiro, a bebida ganhou vários nomes, com influência dos regionalismos. E como forma de homenagear os cachaceiros e produtores da bebida de todo o Brasil, é comemorado hoje o Dia Nacional da Cachaça.
A data foi criada pelo Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) em 5 junho de 2009, durante a feira Expocachaça, em Belo Horizonte. Apesar de os produtores e o instituto comemorarem o dia, ele ainda é um projeto de lei, que tramita na Câmara dos Deputados.
Produção de cachaça em Minas e no Brasil está cada vez mais diversificada. (Foto: Flávia Cristini/G1)
De acordo com dados do Ibrac, hoje no Brasil, existem 40 mil produtores de cachaça, sendo que 99% são micro ou pequenos produtores. Ainda segundo o instituto, existem quatro mil marcas de cachaça no país, que contribuem com 600 mil empregos diretos e indiretos. No ano passado, o país exportou 10,8 milhões de litros da bebida. Os principais compradores foram Alemanha, Estados Unidos, Portugal e França.
A cachaça é considerada símbolo da identidade do povo brasileiro. A justificativa pode ser buscada na história. Em 1660, uma rebelião de produtores que ficou conhecida como Revolta da Cachaça foi determinante para que a Coroa Portuguesa legalizasse a produção e comercialização da bebida. A liberação acontece justamente em 13 de setembro de 1661. O folclorista e professor Carlos Felipe, presidente da Comissão Mineira de Folclore, explica que a proibição era uma forma de incentivar o consumo da bagaceira, bebida produzida pelos portugueses a partir do bagaço da uva. “A elite bebia a bagaceira, o vinho. Para os escravos, era jogado o restolho da cana de açúcar, que era a cachaça”, diz.
De acordo com o folclorista, as primeiras referências históricas dão conta de que a produção da cachaça começou no Rio de Janeiro e na Bahia. “No século 16, já há relatos da bebida fabricada do restolho da cana. A cana não utilizada na produção de açúcar era colocada para fermentar e consumida alambicada, isto é, esquentada e filtrada. Esse produto era para bebida de escravos, dava energia para eles”, conta.
Produção em Minas
Em Minas, estado hoje com tradição na arte da cachaça artesanal, a produção começa mais tarde, na segunda metade do século 17. “A partir do final do século 17 e durante o século 18, Minas era a província mais populosa, inclusive de população escrava. Havia o maior consumo de bebidas e esse consumo era abastecido por bebidas feitas na terra. A cachaça era produzida no fundo de quintal. Era mais fácil fazer a cachaça que trazer vinhos de Portugal. Para atender essa demanda, fabricava-se muita cachaça. Aos poucos, virou um produto típico de Minas Gerais”, explica.
Na hora de servir, o copo pode fazer a diferença, segundo apreciadores da cachaça (Foto: Flávia Cristini/G1) |
A cachaça Germana, marca produzida há mais de 26 anos em Nova União, região central de Minas, chega a produzir 300 mil litros da bebida por ano. O gerente comercial da marca, Márcio Gomes, disse que eventos como o Dia Nacional da Cachaça são muito importantes para mostrar o valor desta bebida que é genuinamente brasileira.
Segundo Gomes, uma das maiores conquistas da Germana foi a criação de uma casa noturna para divulgação da marca. “O Alambique foi criado para divulgar nossa cachaça. Ele cresceu e hoje é uma casa noturna para 25 mil pessoas. Isso é uma conquista muito importante”, disse.
Quem faz parte deste mercado e consegue manter o ritmo da produção e a qualidade, se mostra entusiasmado. O produtor da cachaça Rainha do Vale, feita há mais de 15 anos em Minas, explica que o segredo para uma cachaça de qualidade está na paixão dos produtores. “O produtor mineiro é um apaixonado pelo que faz. Esse carinho na hora da fabricação é que assegura a existência da cachaça mineira. Os pequenos detalhes fazem a diferença”, disse Márcio Vieira de Moura, que chega a produzir 70 mil litros da bebida por ano.
Moura não revela o segredo para conseguir uma bebida de qualidade, mas diz que os quatro passos da fabricação da cachaça, matéria-prima, fermentação, destilação e o armazenamento, devem ser feitos com muita paciência e cuidado para que tudo saia como o planejado.
Bom negócio
Ronaldo Garcia não produz cachaça, mas revende há 17 anos. Em duas barracas no Mercado Central de Belo Horizonte, ele tem para oferecer mais de 300 marcas. “Temos o belo-horizontino e o turista como cliente. O pessoal de fora que vem a Minas sempre leva uma cachacinha”, conta. Muitas da marcas revendidas vêm da região do norte de Minas, em que se destacam na produção cidades como Salinas, Januária e Buenópolis.
Ronaldo Garcia Filho e o pai revendem cachaça há 17 anos. (Foto: Foto: Flávia Cristini/G1) |
Com tantos anos de prática, Garcia também é um grande apreciador e diz não dispensar uma dose no fim de semana. Para o sabor ser ainda melhor, um detalhe pode fazer toda a diferença. “Tacinha de cristal, que veio lá de Santa Catarina”, mostra o comerciante. Segundo ele, a boca da taça no formato mais aberto faz com que o cheiro forte do álcool não atrapalhe na hora de degustar a cachaça.
O conhecimento adquirido sobre a bebida foi passado para o filho, que o acompanha desde os 15 anos. “Não comecei a beber nessa idade”, brinca Ronaldo Garcia Filho. Ele demonstra conhecimento sobre o assunto e dá três dicas para reconhecer quando a bebida é de qualidade. “Ao balançar o copo tem que dar para ver a oleosidade. A boa cachaça não pode queimar a garganta e, antes de engolir, é preciso deixar a bebida circular na boca”, disse Garcia Filho.
A cachaça mineira não é importante apenas para seus produtores, revendedores e consumidores. O turismo está crescendo, principalmente pelas realizações de eventos e inovações, como, por exemplo, o Museu da Cachaça.
De acordo com a assessora de comunicação da Secretaria Estadual de Turismo, Roberta Andrade, em Minas Gerais, a cachaça artesanal se consolidou como um dos principais produtos da produção associada ao turismo. “Os museus da cachaça são de extrema importância, pois resgatam a história, o modo antigo de produção, os costumes e as tradições do estado, além de representar a valorização deste produto turístico ao longo das últimas décadas”.
Museu da Cachaça
Acervo do Museu da Cachaça, em Betim, na Grande BH
(Foto: Elderth Theza/Divulgação)
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No Museu da Cachaça, em Betim, Região Metropolitana de Belo Horizonte, os visitantes podem fazer uma viagem no tempo pelos painéis que ilustram a história da bebida, desde seus primeiros relatos no Egito antigo até os dias de hoje.
O Museu conta com um acervo com mais de 1500 exemplares de diversas marcas. Algumas das mais curiosas estão à cachaça Pelé Caninha, dedicada ao Pelé pela conquista da Copa de 1958 e uma cachaça datando 1935.
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