É possível reduzir a carga tributária sem causar prejuízos às demandas
sociais, mediante a correção das injustiças produzidas pelo sistema
tributário.
A avaliação da carga tributária de um país é obtida pela
comparação entre o total dos tributos arrecadados pelas diversas esferas de
governo e o Produto Interno Bruto – PIB. [01]
De certa forma, o montante das receitas tributárias devem estar adequadas às
necessidades de recursos suficientes para o financiamento das despesas e
serviços públicos especificados nos orçamentos dos entes públicos, observada
a capacidade de contribuição da população.
Nos últimos séculos, a carga tributária dos países vem
caminhando em sintonia com os diversos modelos de Estado implementados em cada
época. Especialmente a partir do século XVII, ocorre um processo cíclico de
aumento e redução dos poderes estatais em cada uma de suas fases que, de certa
forma, fez-se acompanhar por uma maior ou menor incidência tributária sobre os
indivíduos.
O Estado Absolutista detinha todo o poder centrado numa realeza que
tributava com rigor, especialmente as classes mais pobres, para financiar a
pesada estrutura pública. Com o advento do Estado Liberal, a redução das
atribuições estatais permitiu uma diminuição dos tributos, deixando à
economia o papel de produzir a melhoria das condições de vida da população.
Seguindo outra linha, o Estado de Bem-Estar estava comprometido com a
ampliação dos direitos sociais que somente se concretizaram pela ampliação
da tributação. Por fim, o Estado Neoliberal caminha para a minimização das
funções públicas e, em conseqüência, para uma redução da carga
tributária.
No Brasil, entre os anos 50 e 60, a carga tributária era
inferior a 20%, porém, como resultado da reforma tributária de 1967/69 passou
para um patamar de 25% nas décadas de 70 e 80.
[02] A partir de 1994, inicia um processo contínuo de crescimento,
chegando aos dias atuais a um índice superior a 35% do PIB.
[03] Ainda que não seja a mais elevada do mundo,
[04] é considerada, para os padrões brasileiros, como além da
capacidade possível que os contribuintes podem suportar.
Com isso,
consolidou-se a opinião corrente de que uma das principais causas que levam à
fraude tributária por parte dos contribuintes é por certo a aplicação de uma
carga tributária em dissonância com a idéia de justiça, por exigir tributos
em quantidade cada vez maior ao limite suportável pelas pessoas que são
instadas a pagar. Mas esta afirmação, tantas vezes reproduzida, exige que se
avalie a sua veracidade com o rigor científico necessário ou, no mínimo, que
se entendam quais os fundamentos para que ela seja concebida como uma realidade
incontroversa. Isto porque, ao se afirmar que a tributação é excessivamente
elevada para os padrões de renda brasileiros, é inevitável que se perquira
qual é a taxação desejável que a sociedade em geral pode arcar para o
financiamento do Estado.
Uma maneira apropriada para a abordagem do problema é
identificar qual o nível de tributação de máxima eficiência, no sentido de
que, a partir de determinado limite, uma elevação percentual não importará
mais em incremento de arrecadação, mas em efeito inverso.
A função aplicável ao problema deve ser composta por duas
variáveis: a taxa tributária e a receita tributária que, ao serem conjugadas,
formam uma curva. Desta forma, partindo-se de uma taxa tributária igual a zero,
em que a arrecadação também o será, a curva inicia em ascendente,
concomitantemente à elevação da taxa tributária, o que significa que quanto
mais elevado o seu percentual, maior será a arrecadação de tributos. Contudo,
haverá um ponto em que a taxa será suficientemente elevada e a arrecadação
atingirá sua maior eficiência. A partir de então, o aumento dessa taxa acaba
por reduzir a receita tributária, pois produz evasão ou desestímulo às
atividades formais, a ponto de superar o aumento da tributação, gerando uma
perda de receita. A curva que relaciona os percentuais de incidência com as
receitas tributárias é conhecida como Curva de Lafer.
[05]
A explicação para esse fenômeno que se convencionou chamar
efeito de Lafer está no fato de que, sob a ótica da oferta de bens, como parte
da tributação é transferida para o custo dos produtos, a partir de um
determinado preço, a demanda reduz, e, por conseguinte, a arrecadação será
menor.
Do exposto, dessume-se que para os contribuintes, quando a
carga tributária é excessivamente elevada, os preços finais também serão
afetados, podendo causar redução nas vendas e nos lucros. A crença é de que
este fato induza muitos a descumprirem as normas tributárias, mediante a
ocultação de parte dos tributos devidos, como forma de tornar os preços
competitivos e manter a lucratividade. Porém, ainda que uma tributação além
do suportável pelo mercado de um país produza uma redução da atividade
econômica, evidencia-se outro fenômeno que segue conjugado a ela e com efeitos
mais nefastos; a concorrência desleal.
É que quando algumas empresas de um determinado segmento
deixam de pagar tributos, podem vender seus produtos por preços inferiores
àquelas que arcam com esse ônus. Isto significa que ao serem confrontados os
preços dos contribuintes que se eximem do seu pagamento, com os daqueles que
cumprem integralmente com esta obrigação legal, duas vantagens são
proporcionadas aos primeiros, apesar do risco da sanção do Estado, por meio de
penalidades. Por um lado, terão a vantagem de ofertar idênticos produtos ou
serviços por menor preço, favorecendo a competitividade, por outro, a
possibilidade de uma lucratividade maior, porque parte do imposto não pago,
será agregado ao lucro final. Neste caso, instaura-se um mecanismo de
sonegação que se reproduz em série e quando não combatido com meios
eficazes, é doença que se alastra como epidemia descontrolada.
Desta constatação dimana que, diferentemente do que
aparenta, o aumento dos níveis de sonegação são causados principalmente pela
concorrência desleal e não propriamente pela alta tributação. É que, como
explica Sainz de Bujanda, muitas vezes os tributos passam a ser considerados
como simples custos de produção das empresas, onde o melhor empresário será
aquele que pode liberar-se da carga tributária ou reduzi-la ao menor valor
possível. Isto ocorre quando o "espírito de solidariedade",
fundamento de toda a ordenação política, é substituído pelo "espírito
de negociação", transformando o tributo em simples objeto de
comercialização. Neste caso, perdem sentido os valores políticos, éticos e
de justiça, dando lugar ao jogo da oferta e da demanda.
[06] Em ambientes assim deturpados, pouco adianta criarem-se penas
pecuniárias elevadas, para garantir o cumprimento das leis tributárias, porque
para os fraudadores, o lucro compensa o risco da sanção. O estranho é que o
Estado age às avessas, e quanto mais eleva o valor dos tributos, mais incentiva
a fraude, o que faz aprofundar as injustiças para com os contribuintes
cumpridores das obrigações tributárias.
A análise desse fenômeno converge para a necessidade de
reavaliar-se também a idéia freqüentemente disseminada de que quando um
imposto incide sobre produtores ou comerciantes o seu custo é integralmente
repassado aos consumidores, os quais seriam os que efetivamente suportariam toda
a carga tributária. Esta é uma afirmação que deve ser sopesada, tomando-se
por critério investigativo a elasticidade dos preços demandados e ofertados
pelo mercado, visando encontrar um ponto de equilíbrio entre o quanto os
consumidores se propõem a pagar e por quanto os ofertantes aceitam vender.
Nesta linha, se o mercado de determinados produtos ou
serviços é muito suscetível à variação de preços, o impacto de um imposto
não poderá ser totalmente repassado aos consumidores, porque redundaria em
queda nas quantidades vendidas em maior proporção ao aumento dos preços, por
conseguinte, em redução no faturamento. Neste caso, os contribuintes elevarão
os preços até o ponto máximo de equilíbrio, em que a redução da demanda
seja amenizada, e arcarão com uma parte do imposto. Por outro lado, caso a
afetação decorrente da variação de preços seja pequena ou nula, os
fornecedores de bens ou serviços poderão repassar integralmente o custo dos
impostos aos consumidores. [07]
Deste modo, o quanto de impostos será repassado aos consumidores irá depender
das características da demanda e da oferta, no que se refere à elasticidade
dos preços de cada segmento do mercado. Apesar desta distinção, certo é que
para os contribuintes idôneos, a sonegação é um forte impeditivo para a
concorrência e crescimento em bases justas.
Porém, está lógica econômica, como se disse, somente é
aplicável ao mercado, porquanto, quando se tratar de tributos incidentes
diretamente sobre pessoas e suas riquezas, a tributação opera-se por meio da
retirada de parte da renda disponível para consumo ou poupança, o que por
evidente, diminui a capacidade de compra dos consumidores.
Com efeito, existem basicamente dois grandes segmentos
submetidos à incidência tributária no país, o mercado, sujeito especialmente
a tributos sobre a produção e o consumo, e a classe assalariada e as pessoas
físicas que respondem com tributos calculados sobre a folha de pagamento, o
patrimônio e a renda. Para o mercado, se a alta tributação figura como fator
de desestímulo da economia, a concorrência desleal causada pela sonegação é
ainda mais nefasta. Para o segundo grupo, mais perverso que a alta tributação
é a sensação de que há desvio ou má aplicação dos tributos pagos.
Assim, no que diz respeito a qual nível de carga tributária
seria compatível ao Estado brasileiro, observa-se que, segundo o conceito de
Lafer, ainda que não esteja ocorrendo uma redução na arrecadação total, há
um claro sintoma de estagnação da economia, que pode ser comprovado pelos
baixos índices de crescimento dos últimos anos, inferiores à média de grande
parte dos países em condições similares ao Brasil. Como decorrência, as
classes trabalhadoras também sofrem em certa medida os seus efeitos, pela
redução da quantidade de empregos disponíveis. Não obstante a contribuição
de outros fatores para o reduzido crescimento, a elevada carga tributária
figura entre os seus maiores entraves.
Acrescenta-se ainda o fato de que o percentual da carga
tributária total de um país deve levar em conta também a renda per capita
[08] da população. É que quando a renda das pessoas é maior,
mesmo que o percentual dos tributos seja elevado, a retirada não compromete a
manutenção de uma parte necessária para custear uma vida com dignidade. Por
outro lado, em países com baixa renda, uma incidência maior de tributos
poderá retirar, inclusive, uma parcela vital que compõe o que se conhece por mínimo
existencial.
Do ponto de vista macroeconômico, quanto maior a riqueza
produzida por um país, maior será a arrecadação, ainda que se mantendo o
mesmo nível de tributação. Disto resulta que em países com PIB elevado é
possível atingir índices maiores de arrecadação com uma carga menor,
enquanto que em países como o Brasil, o processo se inverte e mesmo com uma
maior carga, a arrecadação será comparativamente menor.
Se por um lado, evidencia-se a necessidade impreterível de
redução da carga tributária a níveis considerados aceitáveis para a
realidade brasileira, por outro, há uma pressão constante por maiores
aplicações em políticas sociais direcionadas, principalmente às classes mais
pobres, em decorrência da profunda desigualdade que caracteriza a sociedade.
Diante desse quadro, enquanto o cidadão anseia por mais serviços públicos e
de melhor qualidade, o Estado não consegue atender as inúmeras demandas,
especialmente se reduzidas as suas receitas.
Esse aparente paradoxo pode ser resolvido pela ampliação da
base de potenciais contribuintes, através da criação de mecanismos que
induzam à inclusão cada vez maior, daqueles que deixam de contribuir total ou
parcialmente com tributos. Não se trata apenas de combater a sonegação, mas
também de uma reavaliação metódica dos inúmeros benefícios fiscais que
importam em renúncia de receitas e que, em regra, são criados sem uma análise
mais aprofundada dos efeitos decorrentes destas concessões.
Conclui-se que é possível reduzir a carga tributária sem
causar prejuízos às demandas sociais, mediante a correção das injustiças
produzidas pelo sistema tributário, seja por meio de uma maior atuação
fiscal, visando reduzir a evasão fiscal, seja pela concessão mais criteriosa
de benefícios fiscais, tendo sempre por justificação, o interesse público. A
concretização destas duas medidas proporcionaria uma arrecadação igual ou
superior à atual com uma incidência menor, em face da repartição justa do
ônus tributário entre todos que figuram com capacidade para contribuir.
REFERÊNCIAS DAS
FONTES CITADAS
Carga tributária alta gera demanda por elisão fiscal,
afirmam especialistas. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 out. 2006.
Dinheiro, p. B-4)
Revisão faz carga tributária de 2006 ficar menor. Folha
de São Paulo, São Paulo, 29 mar. 2007. Dinheiro, p. B-4.
TORRES, David et. al. Revelando
o Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo:
Edições SINAFRESP, 2003.
VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios básicos:
Uma abordagem moderna. Tradução de Maria José Cyhlar Monteiro. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2003.
BUJANDA, Fernando Sainz de. Teoria de la educacion
tributaria. Madri: LAEL, 1967.
Notas
- Principal indicador da atividade econômica, o PIB - Produto Interno Bruto, exprime o valor da produção realizada dentro das fronteiras geográficas de um país, num determinado período.
- TORRES, David et. al. Revelando o Sistema Tributário Brasileiro. São Paulo: Edições SINAFRESP, 2003, p. 111.
- Em 2006 a arrecadação de tributos nas três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) totalizou R$ 817 bilhões, representando 35,21% do Produto Interno Bruto - PIB. (Revisão faz carga tributária de 2006 ficar menor. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 mar. 2007. Dinheiro, p. B-4)
- Nos países emergentes, como China e Índia, esse percentual é da ordem de 20%, enquanto que na Argentina, ao redor de 22%. Na Suécia, embora esse percentual seja de aproximadamente 52%, a renda per capita anual é de US$ 30 mil, muito superior à brasileira que é de US$ 2.500. (Carga tributária alta gera demanda por elisão fiscal, afirmam especialistas. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 out. 2006. Dinheiro, p. B-4)
- VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios básicos: Uma abordagem moderna. Tradução de Maria José Cyhlar Monteiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 304-305.
- BUJANDA, Fernando Sainz de. Teoria de la educacion tributaria. Madri: LAEL, 1967, p. 102-103.
- VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios básicos: Uma abordagem moderna. p. 320-321.
- A renda per capita é obtida através da divisão do Produto Interno Bruto – PIB pelo total de habitantes de um país, de um estado ou de uma região. Não é uma boa medida para se avaliar a renda das pessoas, pois não leva em conta as desigualdades individuais de renda.
Fonte: http://jus.com.br
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