Chegada do chinês WeChat ao Brasil ilustra a ascensão desses programas no mundo — e a decadência do SMS, o velho torpedo
Bola no pé, smartphone na mão e dinheiro no bolso: Messi é o astro da campanha mundial do WeChat (Divulgação)
Há algumas semanas, o argentino Lionel Messi vem chamando a atenção dos telespectadores brasileiros, mas em outro campo. Sem exibir a mesma habilidade que o alçou ao posto de melhor jogador de futebol do mundo, o astro do Barcelona aparece (um tanto desajeitado) em um comercial de TV fazendo embaixadinhas diante do smartphone para tranquilizar o filho, que assiste à chamada em vídeo do outro lado da linha. Messi não faz malabarismo à toa. Ele é protagonista da campanha mundial do WeChat, aplicativo para smartphones que permite a troca gratuíta de fotos, vídeos e textos. É um produto da gigante chinesa Tencent. Recém-chegado ao Brasil, o app é um dos símbolos da transformação em curso no mundo virtual: a migração dos usuários do SMS, o famoso torpedo, para os programas de comunicação instantânea. O futuro do segmento parece promissor e seus desafios, enormes.
No ano passado, pela primeira vez, o número de mensagens enviadas a partir de apps como o WeChat superou o de torpedos: 19 bilhões contra 17,6 bilhões, segundo estimativa da consultoria inglesa Informa Telecoms & Media. Esse movimento tem explicação: o custo. No Brasil, por exemplo, um plano básico de celular com acesso à internet — incluindo serviços de mensagem instantânea — sai por 40 centavos de real. O preço de um pacote ilimitado de SMS, restrito a mensagens de até 160 caracteres, pode chegar a 70 centavos. Em outros planos, a diferença pode pesar no bolso. O fato é que os apps já comeram faturamento das operadoras: essas empresas deixaram de faturar em 2012 algo em torno de 23 bilhões de dólares em todo o mundo devido à popularização dos programas, de acordo com a empresa de pesquisas de mercado Ovum.
Atenta a esse comportamento, a Tencent escolheu sua estratégia: o WeChat. Lançado em 2011, o app é o primeiro produto internacional da maior companhia de internet na China, criada em 1998 pelo chinês Ma Huateng – o quarto homem mais rico do país, com fortuna estimada em 6,8 bilhões de dólares. Na China, a companhia exibe um histórico que merece respeito. Seu principal produto, o QQ, um serviço de mensagens instantâneas voltado a desktops semelhante ao Skype, tem mais de 800 milhões de usuários cadastrados. É a segunda plataforma mais popular do planeta, atrás apenas do Facebook. Esse sucesso animou a companhia a buscar o sucesso fora de seu território.
Hoje, o WeChat atua em mais de 220 países, ostentando o status de maior serviço móvel de mensagens instantâneas graças à ajuda da gigantesca população da China: 70% dos mais de 330 milhões de usuários residem no país. Assim, o serviço bateu o gigante do setor no Ocidente, o WhatsApp, programa criado em 2009 por dois ex-funcionários do Yahoo! que reúne mais de 300 milhões de cadastrados e é líder de mercado em países como Brasil, México, Argentina, Índia, Holanda, Espanha, Alemanha e Itália. Para avançar no terreno inimigo, a Tencent investiu pesado. Só na América Latina, estima-se que a empresa gaste até o fim deste ano mais de 200 milhões de dólares em publicidade. "No Brasil, uma campanha nacional de TV como a que divulga o WeChat pode custar mais de 10 milhões de reais", diz o consultor de mídia Toninho Rosa.
Por aqui, o WeChat quer minar os laços de fidelidade existentes entre brasileiros e WhatsApp, preferido por nove de cada dez usuários de iPhone, segundo levantamento da empresa de inteligência móvel Onavo produzido a pedido do site de VEJA (não há dados disponíveis acerca de usuários de outras plataformas). Para ganhar adesão, o WeChat aposta em diferenciais do serviço. "Oferecemos recursos que os nossos concorrentes não têm", diz o brasileiro Thomas Prufer, executivo do WeChat no Brasil.
De fato, o app reúne recursos de troca de mensagens, rede social, postagem de fotos, áudios e vídeos e salas de bate-papo. Há ainda um recurso inusitado, uma funcionalidade que permite que um usuário encontre outros no mesmo ambiente bastando para isso agitar o smartphone. "Enquanto as redes sociais começam a apostar em serviços de troca de mensagens, esses apps buscam criar novas redes sociais", afirma Fernando Belfort, analista de mercado da Frost & Sullivan.
Apesar da relativa fartura de recursos, pescar usuários não é tarefa fácil. O gigante Facebook que o diga. Recentemente, a empresa criou parcerias com as operadoras de telefonia celular brasileiras para oferecer a usuários acesso gratuito à rede – sem uso do plano de dados, portanto. Mesmo assim, o Messenger, seu app dedicado às mensagens instantâneas, só caiu nas graças de um terço dos usuários de iPhone. Supõe-se que a recente visita ao Brasil de Javier Olivan, vice-presidente mundial de crescimento e estratégias móveis, tenha tido justamente o objetivo de entender a realidade local e aprimorar o Messenger nos próximos meses.
Em território nacional, o WeChat tem uma segunda e não menos importante missão, comum, aliás, a seus congêneres: criar estratégias para fazer dinheiro. O Messenger, por exemplo, ainda não tem um modelo de negócio definido, é gratuito e não exibe publicidade. O WhatsApp cobra uma anuidade de 0,99 centavos de dólar. Questionado acerca do assunto, o cofundador do app, Jan Koum, deixou claro: o WhatsApp não exibirá anúncios. "Não estamos interessados nas informações dos usuários, tampouco nas fotos compartilhadas. Queremos investir nosso tempo em um serviço que funcione bem."
Nesse quesito, o WeChat parece estar um pouco à frente, oferecerendo ações diversificadas para atrair receita. Na China, o modelo é baseado na oferta de recursos extras para perfis de empresas e celebridades (pagos, evidentemente), além da comercialização de itens virtuais. No Brasil, a última versão do app já oferece cinco pacotes pagos com 16 emoticons, ícones animados usados popularmente na web para expressar sentimentos. "Esses modelos têm êxito principalmente em países orientais", diz, em tom de ressalva, a analista Gyanee Dewnarain, da empresa de pesquisas de mercado Gartner. "O Line, aplicativo japonês similar ao WeChat, faturou mais de 50 milhões de dólares no último trimestre com a venda de itens virtuais. É mais da metade do lucro da companhia."
A popularização dos serviços de mensagem na palma da mão pode, segundo alguns analisas, ameaçar uma boa fatia de serviços como o Facebook. É a visão, por exemplo, de Gyanee. "Pela primeira vez, a atenção dos consumidores está dividida entre acessar o perfil na rede social e trocar mensagens no WhatsApp", diz a consultora. "O Facebook faz dinheiro a partir do uso de seus serviços. Se os usuários passarem a dividir seu tempo e ações entre mais serviços, a rede pode perder parte de seu valor."
Fonte: http://veja.abril.com.br
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