Por Claudio Angelo -
"América do Sul será a região mais afetada, com perda de até 23% das plantas e animais caso o mundo não faça nada para cortar emissões; dados são de análise de 131 estudos".
"América do Sul será a região mais afetada, com perda de até 23% das plantas e animais caso o mundo não faça nada para cortar emissões; dados são de análise de 131 estudos".
O fracasso da humanidade em cortar gases-estufa nas próximas décadas poderá fazer com as florestas brasileiras algo que cinco séculos de desmatamento sem controle não conseguiram: causar extinções em massa de espécies animais e vegetais. Um novo estudo mostra que a América do Sul será a região do planeta que mais perderá biodiversidade caso a trajetória atual de emissões seja mantida. País mais biodiverso do continente, o Brasil está no topo da lista.
Segundo o estudo, na ausência de políticas de mitigação da mudança climática, o mundo aqueceria cerca de 4oC em relação à era pré-industrial, e o risco global de extinções saltaria dos atuais 2,8% para 16%. Isso significa que uma em cada seis espécies poderiam desaparecer. A situação é mais grave na América do Sul, onde 23% da diversidade de fauna e flora ficariam sob risco.
Os dados foram publicados nesta sexta-feira na revista científica Science. O autor do trabalho, o biólogo Mark Urban, da Universidade de Connecticut (EUA), analisou 131 estudos diferentes projetando risco de extinção devido à mudança do clima e fez uma espécie de média ponderada entre eles.
Esse tipo de pesquisa é conhecido como meta-análise, e é bastante usado em medicina para avaliar riscos de um medicamento ou de um fator qualquer – o fumo, por exemplo – sobre a saúde de uma população. Ao dar um tratamento estatístico a uma grande quantidade de estudos, as meta-análises conseguem excluir extremos e apresentar um panorama mais realista do efeito que se quer medir.
Segundo Urban, mesmo que a humanidade consiga atingir o objetivo de manter o aquecimento em no máximo 2oC – algo que ele considera impossível, dada a concentração de carbono que já está na atmosfera –, o número de espécies em risco já daria um salto: de 2,8% para 5,2%.
“Hoje a maioria das extinções acontece por perda de habitat ou superexploração. O clima provavelmente tem algum papel nelas, mas outros fatores se sobrepõem a ele. Se a Terra aquecer demais, a mudança climática deverá assumir um papel mais substantivo”, disse Urban ao OC.
Segundo o biólogo Carlos Joly, da Unicamp, diretor do programa Biota Fapesp, a taxa de 16% do pior cenário do estudo do americano, “apesar de alarmante, é realista”. Ele cita estudos anteriores que falam em até 37%.
O clima pode levar uma espécie à extinção ao tornar seu habitat inviável. O exemplo clássico são os ursos polares, ameaçados porque o gelo marinho onde caçam durante a maior parte do ano está sumindo. Plantas e animais que habitam regiões montanhosas precisam migrar mais para o alto de forma a encontrar novamente a faixa de temperatura ideal para viver.
Quando uma espécie é endêmica, ou seja, só ocorre em um lugar, ou algum fator – presença humana, por exemplo – impede essa migração, a espécie morre.
Na América do Sul, um número muito grande de espécies endêmicas facilita as extinções de baciada. Na Austrália e na Nova Zelândia, os territórios relativamente pequenos inviabilizam migrações para um clima mais ameno.
“Além do aquecimento é preciso levar em conta a alta fragmentação [de florestas]. Aqui no Brasil os exemplos são a Mata Atlântica e o cerrado. A fragmentação impede que as espécies migrem em função das mudanças climáticas, como ocorreu no Pleistoceno [última era do gelo] quando essas formações eram contínuas”, afirmou Joly. “Se considerarmos que tanto a Mata Atlântica quanto o cerrado têm um alto percentual de espécies endêmicas a taxa de extinção de espécies nessas formações pode superar os 16% previstos neste trabalho.”
O prazo para que isso aconteça, porém, não é necessariamente o fim do século, como ocorre com vários dos impactos da mudança do clima. “Extinções podem levar muito tempo depois de o processo ter sido iniciado”, diz Urban. “Eu prevejo riscos de extinções, mas a realização desses riscos pode levar muito tempo e pode ser prevenida se limitarmos os gases de efeito estufa e implementarmos medidas de conservação orientadas.” (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório de Imprensa
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