Os direitos de greve, reunião, passeata e razoabilidade democrática
O surgimento da palavra greve deve-se a uma praça de Paris, denominada Place de Grève, na qual os operários se reuniam quando paralisavam seus serviços com finalidades reivindicatórias, podendo ser definida como um direito de autodefesa, consistente na abstenção coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores de um ou vários departamentos ou estabelecimentos, com o fim de defender interesses determinados.
O direito de greve, sob a ótica jurídica, portanto, se configura como direito de imunidade do trabalhador face às conseqüências normais de não trabalhar, incluindo-se no exercício desse direito diversas situações de índole instrumental, além do fato de o empregado não trabalhar, tais como a atuação de piquetes pacíficos, passeatas, reivindicações em geral, a propaganda, coleta de fundos, “operação tartaruga”, “cumprimento estrito do dever”, “não-colaboração”, etc. Há diversas espécies de greves permissíveis pelo texto constitucional, podendo os trabalhadores decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, visando conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou, ainda, greves de protesto.
Há diversas espécies de greves permissíveis pelo texto constitucional, podendo os trabalhadores decretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, visando conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou, ainda, greves de protesto. Jamais, porém, o texto constitucional permitiria a execução de greves criminosas, caracterizadas pelo abuso aos direitos de locomoção e segurança de toda a Sociedade, como vislumbramos na última greve de transportes ocorrida no Município de São Paulo.
Igualmente, a Constituição garante que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente, tratando-se, pois, de direito individual o coligar-se com outras pessoas, para fim lícito. O direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de expressão, exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio de idéias, a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicações. O direito de reunião apresenta-se, ao mesmo tempo, como um direito individual em relação a cada um de seus participantes e um direito coletivo no tocante a seu exercício conjunto.
O direito de reunião, – que incluiu o direito de passeata –, configura-se como um dos princípios basilares de um Estado Democrático, sendo de grande abrangência, pois não se compreenderia a liberdade de reuniões sem que os participantes pudessem discutir, tendo que limitar-se apenas ao direito de ouvir, quando se sabe que o direito de reunião compreende não só o direito de organizá-la e convocá-la, como também o de total participação ativa.
Importante, porém, ressaltar, que os direitos de greve e reunião são relativos, assim como os demais direitos fundamentais, que não podem ser utilizados como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos ilícitos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
O direito de greve consagrado pela Constituição Federal, em seu artigo 9º, e o direito de reunião, previsto no artigo 5º, XVI, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (relatividade ou convivência dos direitos fundamentais), pois as democracias modernas, garantindo a seus cidadãos uma série de direitos fundamentais que os sistemas não-democráticos não consagram, busca, como lembra Robert Dahl, a paz e a prosperidade da Sociedade como um todo.
Dessa forma, havendo conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, devemos harmonizá-los, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.
Nesse sentido, os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores – seja por meio de greves, seja por meio de reuniões e passeatas –, não podem obstar o exercício, por parte do restante da Sociedade, dos demais direitos fundamentais, configurando-se, claramente abusivo, o exercício desses direitos que impeçam o livre acesso das demais pessoas aeroportos, rodovias e hospitais, por exemplo, em flagrante desrespeito à liberdade constitucional de locomoção (ir e vir), colocando em risco a harmonia, a segurança e a Saúde Pública.
A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, após afirmar em seu artigo 29 que “toda pessoa tem deveres com a comunidade, posto que somente nela pode-se desenvolver livre e plenamente sua personalidade”, expressamente prevê que “no exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades todas as pessoas estarão sujeitas às limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática”.
Assim, a conduta do Poder Público na compatibilização prática dos direitos fundamentais deve pautar-se pela razoabilidade, no sentido de evitar o excesso ou abuso de direito, e, consequentemente, afastar a possibilidade de prejuízos de grandes proporções à Sociedade.
A razoabilidade no exercício da greve, das reuniões e passeatas, previstas constitucionalmente, deve, portanto, evitar a ofensa aos demais direitos fundamentais, o desrespeito à consciência moral da comunidade, visando, em contrapartida, a esperança fundamentada de que se possa alcançar um proveito considerável para todos, resultante na prática democrática do direito de reivindicação. Trata-se da cláusula de proibição de excesso (Übermassverbot) consagrada pelo Tribunal Constitucional alemão, ao estabelecer o pensamento da proporcionalidade como parâmetro para se evitar os tratamentos excessivos, inadequados, buscando-se sempre no caso concreto o tratamento necessariamente exigível.
Em conclusão, o exercício razoável dos direitos de greve, reunião e passeata, em respeito aos demais direitos fundamentais consiste em exigência democrática e necessária evolução da Educação de Cidadania, caráter básico, como salientado por Montesquieu, de qualquer Governo Republicano.
Por Alexandre de Moraes
Fonte: www.justica.sp.gov.br
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