RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO ESPECIAL PARA, NO PRAZO DE 60 DIAS, ACOMPANHAR, SUBSIDIAR E DAR O NECESSÁRIO APOIO INSTITUCIONAL AOS TRABALHOS DA COMISSÃO EXTERNA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DESTINADA A ESCLARECER AS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE OCORREU A MORTE DO EX-PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK, NO ACIDENTE OCORRIDO NA RODOVIA PRESIDENTE DUTRA.
(Publicado em 07/11/2000)
ANTECEDENTES
O ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira faleceu em 22/8/76, vítima de um acidente automobilístico, no Km 165 da Rodovia Presidente Dutra, no município de Rezende, localizado no Estado do Rio de Janeiro.
O carro - um opala - dirigido por seu motorista de confiança, Geraldo Ribeiro, atravessou o canteiro divisório da pista, colidindo com uma carreta scânia.
1 - Contradições constantes no processo referente à morte do ex-Presidente, dentre as quais podem ser destacadas: afirmação de que o ônibus da empresa Cometa havia batido no opala, provocando o desastre, baseada em depoimentos conflitantes e sem uma investigação mais aprofundada; utilização de instituto particular para fazer as perícias, com mudança de peritos; ausência de material fotográfico, que foi ocultado.
2 - Dois episódios, que revelaram publicamente o incômodo sentido pelas autoridades que comandavam o País, à época, com a presença de Juscelino Kubitschek, que, diga-se de passagem, nunca perdeu a popularidade e o amor do cidadão comum, a saber:
a) a torre de Brasília proibiu o pouso de um avião que sobrevoava a Capital, com pane por falta de combustível, uma vez que o ex-Presidente estava a bordo da aeronave;b) o caso Parasar, divulgado por revista de circulação nacional, contendo denúncia de um militar de atentado contra a vida do ex-Presidente.
3 - Juscelino Kubitschek sentia-se ameaçado de morte, conforme inúmeros depoimentos a pessoas mais próximas a ele, inclusive escritos, tendo convicção absoluta de ter o telefone grampeado.
4 - Quinze dias antes de sua morte, correu o País um boato de que o ex- Presidente havia morrido em acidente de carro. A Câmara dos Deputados criou, em 14/6/2000, comissão externa para investigar as circunstâncias da morte do ex-Presidente.
Duas linhas de trabalho foram estabelecidas: uma, material, ligada diretamente s circunstâncias que vitimaram o ex-Presidente, buscando determinar se o acidente teve causas naturais ou se teria sido provocado; a segunda, uma investigação política, histórico-ideológica, partindo dos sinais da chamada Operação Condor.
Essa operação, apoiada pelas ditaduras militares do continente, teria sido responsável por perseguições e atentados contra opositores dos governos militares latino-americanos na década de 70, suspeitando-se da existência de uma conspiração no Cone Sul e na América Latina para impedir a ascensão ou o regresso dos líderes excluídos, como seria o caso de Juscelino Kubitschek.
A Assembléia Legislativa de Minas, como não poderia deixar de ser, imediatamente criou, nesta Casa, comissão especial, com o objetivo de acompanhar e oferecer subsídios àquela Comissão Externa da Câmara dos Deputados. Juscelino Kubitschek de Oliveira, nascido em Diamantina, médico em Belo Horizonte, iniciou sua carreira política sendo eleito Deputado Federal por Minas Gerais.
Prefeito de Belo Horizonte, concretizou obras das mais significativas. Eleito Governador de Minas, incrementou passos fundamentais para o Estado, tendo baseado sua administração no binômio energia e transporte. Portanto, antes de ser o gigante inesquecível à frente da Nação foi ele o mineiro apaixonado pelas Gerais.
Assim, no momento em que as circunstâncias de sua morte são investigadas, é imprescindível o empenho dos parlamentares mineiros, contribuindo com todos os recursos possíveis, para a busca do restabelecimento daquela verdade histórica. DEPOIMENTOS NA COMISSÃO A Comissão Especial da Assembléia Legislativa ouviu os Srs. Deputado Federal Osmânio Pereira, relator da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, Serafim Melo Jardim, secretário particular de Juscelino Kubitschek, e Alberto Carlos de Minas, perito e professor de criminalística que vem estudando o caso.
Registre-se que houve impossibilidade da presença do Sr. Josias Nunes de Oliveira, motorista do ônibus da Cometa, para prestar esclarecimentos junto Comissão, em virtude de seu estado de saúde bastante delicado.
O depoimento do motorista do ônibus seria da mais alta relevância para o esclarecimento do caso.
No entanto, tendo sido indiciado como o causador da morte de Juscelino Kubitschek e de seu motorista Geraldo Ribeiro, sendo, imediatamente, considerado culpado pela opinião pública, apesar das falhas constantes do processo, Josias Nunes de Oliveira ficou emocionalmente abalado, sofrendo todas as consequências disto: separou-se da esposa, perdeu o emprego, chegando a se transformar em catador de papel em São Paulo.
Depoimento do Sr. Serafim Melo Jardim O Sr. Serafim Melo Jardim foi secretário particular de Juscelino Kubitschek, conviveu com o ex-Presidente por nove anos e manteve convívio de amizade com a viúva, D. Sarah Kubitschek, e sua filha, Márcia, de cuja campanha pra Deputado Federal foi coordenador.
Hoje é Presidente da Casa de Juscelino, em Diamantina, e faz questão de enfatizar que tem como objetivo manter viva a imagem do ex- Presidente e ver esclarecida a verdade sobre a sua morte.
Em extenso e detalhado depoimento, procurou demonstrar as contradições e falhas do processo, apresentando documentos colhidos e reunidos em livro já publicado e dando seu testemunho quanto a acontecimentos presenciados.
Segundo o depoimento de Jardim, o aspecto mais conflitante do processo refere-se ao depoimento de 9 dos 33 passageiros do ônibus, os únicos ouvidos e que não fazem nenhuma referência à colisão do ônibus com o Opala.
Todos dizem que o carro estava, aproximadamente, 10m à frente. Corroborando a incongruência, apresentou o voto do relator Lisandro de Lima, do Tribunal de Alçada, que assegura ser impossível, pelas leis da Física, a ocorrência descrita no laudo.
Na parte da reunião destinada a debates, o Sr. Serafim Jardim foi questionado quanto à reabertura do processo - em especial, sobre o motivo por que, somente 20 anos depois, tomou-se a decisão de fazer a denúncia e, em consequência, os levantamentos que agora são levados avante.
O convidado esclareceu que somente tomou a decisão de pedir a reabertura do caso Juscelino após o falecimento de D. Sarah - que acreditava que a morte do marido não tinha sido acidental, mas resolvera calar-se, temendo dificuldades políticas para a filha. Disse que, se, em 1996, com o advogado Paulo Castelo Branco e Alberto Carlos de Minas, não tivessem tentado a reabertura do caso JK, ninguém questionaria a morte do ex-Presidente, pois o processo estaria esquecido para sempre.
Depoimento do Sr. Alberto Carlos de Minas O perito, professor de Criminalística Geral, com amplo currículo, que inclui estágio na polícia francesa, relatou sua indignação com as incoerências e a inconsistência das perícias realizadas.
Ressaltou sete itens preponderantes, discorrendo sobre cada um deles.
Como evidência, apontou o fato de terem sido feitos dois laudos: um no dia 22, que nada diz.
E um segundo, no dia 23, chamado de complementar, com informações especificadas, determinando o motorista da Viação Cometa como responsável pelo acidente.
Ressaltou a questão da exumação do cadáver de Geraldo Ribeiro, quando contestou várias explicações dos legistas. Na fase de debates, especificou, ainda, diversos outros aspectos técnicos. Depoimento do Deputado Osmânio Pereira O ilustre Deputado Osmânio Pereira fez um relato das atividades já desenvolvidas pela Comissão da Câmara do Deputados, informando que já há um farto material, com, aproximadamente, 1.300 páginas de laudos, processos e documentos.
Esclareceu que a Comissão foi a São Paulo, fez o mesmo trajeto que o ex-Presidente percorreu até o momento do acidente, as mesmas paradas e procurou ouvir familiares das pessoas que teriam estado com ele e que prestaram importantes informações Comissão.
Quanto à vertente ideológica da investigação, explicou que a busca está sendo feita para verificar quem teria interesse na morte de Juscelino Kubitschek. Para que sejam esgotadas todas as possibilidades, a Comissão irá ao Chile, visando obter maiores informações sobre a Operação Condor, por meio de contatos com a Suprema Corte, com lideranças não governamentais ligadas às questões dos direitos humanos, além dos parlamentares chilenos.
A Comissão investiga, também, o Gen. Contreras - hoje cumprindo prisão domiciliar, que teria estado em São Paulo poucos meses antes da morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Finalmente, o Deputado ressaltou a importância da colaboração dos parlamentares mineiros, por meio de uma Comissão Especial da Assembléia Legislativa de Minas, para reconstituir a verdade histórica.
CONCLUSÕES
Quanto ao acidente em si, apesar de muitos fatos obscuros e controvertidos, não há provas de que tenha sido provocado. Quanto ao aspecto político, ainda há muito o que descobrir. O ex-Presidente Juscelino Kubitschek teve uma trajetória política voltada para o desenvolvimento, para a afirmação da capacidade brasileira de realização.
Eleito Presidente da República, imediatamente pôs em ação um fabuloso plano de metas, que foi bem resumido no “slogan”: 50 anos em 5.
Estóico na resistência aos arremessos do medo, da incompreensão, do derrotismo, Juscelino Kubitschek, homem síntese, compêndio de energias, possibilitou que sonhos se transformassem em realidade, mas, antes de tudo, pôs por terra a imagem da figura até então estabelecida para o brasileiro: um pigmeu, acocorado no litoral ou perdido no cenário imenso de uma natureza hostil e intratável, que nunca lograria vencer.
Quando Bernardo Saião tombou debaixo da última árvore que desimpediu o traçado da rodovia Belém-Brasília, quando os “candangos” possibilitaram que as moles de cimento e aço de Brasília surgissem no descampado do sertão bruto e desértico, quando adveio o resultado da determinação e da coragem dos homens da nação - tudo arrancado do nosso gênio criador - Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Max e tantos outros, houve a afirmação de uma brasilidade real, vigorosa e admirável, perante o mundo.
Provávamos que poderíamos ser muito mais do que simples copiadores, respirando unicamente o cosmopolitismo, vivendo dos seus vícios e das suas descaracterizações.
Brasília custara uma quota de sacrifício para cada cidadão, em decorrência dos gastos necessários à sua construção. Mas a iniciativa trazia, indubitavelmente agregadas as consequências geossociais e geopolíticas da independência, que só a certeza da capacidade realizadora pode trazer, com uma aceleração rumo ao progresso sem chances de retrocesso.
Essa realidade histórica demonstra quão poderosa pode ser a afirmação do povo brasileiro, orientado por líderes natos e autênticos.
O mandato de JK encerrou-se em 1961. Em 1965, pretendia candidatar-se novamente, para dar continuidade a idéias e ideais, que tanto impulsionaram o País.
No entanto, em junho de 1964 teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar. O que aconteceria se, efetivada a abertura democrática, o velho líder voltasse a ser candidato?
Se não foi possível à comissão apresentar fatos conclusivos, trazer à tona todas essas indagações já é um passo importante, na busca da reconstrução dos acontecimentos histórico-políticos de Minas e do Brasil, com vistas à consolidação dos valores democráticos.
Recomendações
O que se recomenda, neste momento, além do apoio aos Deputados Federais em suas investigações e do acompanhamento das atividades da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, é que todos os representantes do povo mineiro estejam atentos a quaisquer fatos que possam contribuir para esclarecer aquele infausto acontecimento, na busca incessante da verdade.
Sala das Reuniões, 31 de outubro de 2000. Bené Guedes, Presidente - Márcio Kangussu, relator - Luiz Tadeu Leite. - Publique-se para os fins do parágrafo único do art. 114 do Regimento Interno.
Fonte: www.almg.gov.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário.