Hoje fazem 25 anos que morreu um dos maiores cartunistas brasileiro, Henfil (1944 - 1988).
Comentário crítico: Com humor mordaz e desenho caligráfico, Henfil destaca-se como um dos militantes mais ativos na resistência ao regime militar. De suas mãos saem personagens antológicos como os fradinhos Baixim e Cumprido, a ave Graúna, o bode Orellana, Capitão Zeferino eUbaldo, o paranóico, que provocam mudanças na história dos quadrinhos brasileiros não tanto pela inovação formal - apesar de ser marcante o seu traço nervoso e espontâneo -, mas pelo uso dessa linguagem gráfica específica como o melhor suporte para crítica e comprometimento social.
Autodidata, em 1964, Henfil trabalha como cartunista na Revista Alterosa, em Belo Horizonte, onde nascem os personagens que anos depois lhe dão reconhecimento nacional, os fradinhos.
Em 1965 começa a fazer caricatura política para o Diário de Minas. Após tentativa frustrada de trabalhar em São Paulo, Henfil é levado por Jofre Rodrigues para o Rio de Janeiro para desenhar no Jornal dos Sports, e colaborar ainda nas revistas Visão, Realidade, Placar e O Cruzeiro.
Em 1969, estréia os fradinhos no semanário de humor O Pasquim. Bem-comportados e ingênuos no início, os personagens só vão estourar por volta do número 8, quando Henfil começa a colorir suas histórias com uma alta voltagem de sadismo. Como o autor nota, em entrevista, o meio cultural carioca moralista e racista de então ajudou a dar o novo tom às tiras de os fradinhos.
À crueldade, à agressividade e ao humor negro de Baixim correspondiam a fraternidade, a ingenuidade e o caráter recalcado de Cumprido. Com seu gesto Top! Top!, o frade Baixim torna-se mania nacional. Mas a violência das tiras de Henfil não passa despercebida à censura, que lhe impõe cortes. Mais tarde, os personagens seriam imortalizados na Revista do Fradim, editada por Henfil.
Henfil trabalha na imprensa sindical como cartunista no fim dos anos 1970. É um dos fundadores do Partido do Trabalhadores - PT, em 1980. Além de desenhista e militante político, destaca-se como escritor, jornalista, dramaturgo e cineasta. Sua obra apresenta um retrato crítico, lúcido e bem-humorado da realidade política e social brasileira dos anos 1970 e 1980. Em 1972, como colaborador do Jornal do Brasil, Henfil cria Zeferino e seus amigos da caatinga, Graúna e Orellana.
Esses personagens representam um salto qualitativo no humor gráfico brasileiro ao utilizar a alegoria como arma principal de resistência ao poder. Também apontam um amadurecimento em relação ao caráter visceral de Baixim, como afirma Henfil: "Os fradinhos são neuróticos, passionais, safados porque são da cidade. E não há salvação para cidade. Zeferino é mais social, é da caatinga". As tiras de Capitão Zeferino apresentam de forma muitas vezes mordaz as contradições da modernização capitalista do "sul maravilha" com a realidade cultural e social da "caatinga"; contradição esta que pode ser observada também no interior desta modernização.
De 1977 a 1980, Henfil torna-se colunista e cartunista da revista IstoÉ, escrevendo suas antológicas Cartas da Mãe, reunidas posteriormente em livro (1986). Dirigidas a sua mãe, as cartas comentam os assuntos mais importantes do momento com o estratagema lúdico de se aproveitar da intimidade e liberdade da relação entre mãe e filho para falar dos assuntos mais prementes. Com isso, Henfil acaba "testando" o próprio processo de abertura política em curso no Brasil. Essas cartas são documentos de uma época com menção ao exílio do irmão Herbert de Souza, o Betinho (1935 - 1997) e outros companheiros, às greves dos trabalhadores no ABC e ao surgimento de Lula como um líder sindical, à campanha pela anistia, à movimentação para criação de um novo partido etc.
Instalado em São Paulo no fim dos anos 1970, Henfil tem importante atuação como quadrinista para sindicatos e associações de trabalhadores na Oboré Editorial, juntamente com Angeli (1956), Glauco, Laerte e outros. Em 1978, escreve com Oswaldo Mendes a peça Revista do Henfil, a convite de Ruth Escobar (1936), responsável pela produção do espetáculo.
Escreve e dirige o filme Tanga - Deu no New York Times (1986), em que atua, e cria o quadro TV Homem, para o TV Mulher, programa da Rede Globo. Entre seus livros publicados destacam-se: Henfil na China (antes da coca-cola) (1980); Diário de um Cucaracha (1983); Diretas Já (1984); Fradim da Libertação (1984); Como Se Faz Humor Político (1984); Cartas da Mãe (1986). A perspicácia política e social das sátiras de Henfil faz com que seus personagens transcendam o momento histórico imediato a sua criação, tornando-os atuais até hoje.
Hemofílico, Henfil morre em decorrência da aids, contraída numa transfusão de sangue, tornando-se infelizmente símbolo de outra luta, assim como seu irmão Betinho.
Cronista do humor
Os escritos de Henfil eram anotações rápidas. Não eram propriamente crônicas, mas um misto de reflexões rápidas, assim como seus traços ligeiros dos cartuns. Célebres eram suas "Cartas à mãe" — título comum em que escrevia sobre tudo e todos, muitas vezes atirando como metralhadora, usando um tom intimista do filho que realmente fala com a mãe — ao tempo em que criticava o governo e cobrava posições das personalidades.
Mesmo seus livros são em verdade a reunião desses escritos, a um tempo memorialistas e de outro falando sobre tudo, sobre a conjuntura política e seu engajamento.
Em Diário de um Cucaracha, por exemplo, Henfil narra sua passagem pelos Estados Unidos, onde tentou "fazer a América, sonho de todo latinoamericano que se preza" (segundo ele próprio). A obra traz um quadro em que o cartunista relata o choque cultural que experimentou, a reação vigorosa do público americano aos seus personagens, classificados como agressivos e ofensivos. Tudo isso escrito em capítulos pequenos, no tom intimista de quem dialoga não com um leitor anônimo, mas com um amigo ou conhecido. No ano de 2009 seu único filho criou o Instituto Henfil.
Prêmios
Em 1981, Henfil ganhou o Prêmio Vladimir Herzog na categoria Artes pelo conjunto de sua obra no veículo: Revista IstoÉ.
Obras publicadas
· Diário de um cucaracha (1976)
· Hiroxima, meu humor (1976)
· Dez em humor (coletânea, 1984)
· Diretas Já! (1984)
· Henfil na China (1980)
· Fradim de Libertação (1984)
· Como se faz humor político (1984)
Filmografia
Tanga: Deu no New York Times? (1987)
Veja também: > História em quadrinhos no Brasil
Algumas frases famosas de Henfil:
"O surgimento do PT brasileiro é apenas o embrião de uma série de movimentos nesse sentido que vão surgir no Brasil e que já surgiram no mundo, que é a união entre os operários e camponeses, com escritores, jornalistas etc. Então eles procuram denegrir dizendo que intelectual é uma coisa ruim, uma coisa suspeita, que é uma coisa ilegal, o operário estar do lado do intelectual. Então eu descobri uma coisa óbvia: o contrário de intelectual não é operário, o contrário de intelectual é vegetal, logo, todos somos intelectuais, só a pedra não é."
"As palavras para mim não são gratuitas, não consigo usar nenhuma palavra de forma gratuita."
"O Lula é tão intelectual que foi capaz de fundar um partido e é um guia hoje, uma vanguarda no pensamento político brasileiro muito maior do que qualquer Fernando Henrique Cardoso, que é o chamado intelectual."
"Há um radar coletivo que os pobres têm, e que os ricos não têm, tanto que estão levando o mundo para a própria destruição deles: a classe rica vai ser destruída pela próxima movimentação da Terra. Eles perderam o faro, perderam a sensibilidade porque a morte para eles é uma coisa que não existe."
"Viver é uma tarefa urgente, porque amanhã é uma coisa que não dá pra pensar, não dá pra fazer planos, hoje é urgente, amanhã é a morte, ontem, graças a Deus, teve ontem!"
"Enquanto acreditarmos no nosso sonho, nada é por acaso."
"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente."
"Quando eu faço um desenho, eu não tenho a intenção que as pessoas riam. A intenção é de abrir, e de tirar o escuro das coisas."
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