Apesar do fato de todos nós sabermos que a vida nunca nos deu uma garantia de que seríamos tratados de forma justa e que as coisas ruins não acontecem para nós, por vezes somos tomados de surpresa quando levamos um golpe que achamos não merecer. Ficamos presos no passado e paralisamos a nossa vida. Por mais que se tente seguir em frente depois de um revés, muitas vezes os golpes sofridos no passado tornam-se numa tormenta ao bem-estar no presente. Dar um impulso na vida, sair dos acontecimentos de arrependimento e dos “deverias” pode assemelhar-se ao que os navegadores portugueses tinham de enfrentar quando atravessavam o cabo das tormentas. Talvez o mais trágico, no entanto, sejam os sentimentos negativos que as decepções de ontem, as perdas e fracassos foram criando, edificando uma base de mágoa e infortúnio para o resto da vida, levando a que a pessoa perca a esperança e firme a ideia de que é tarde de mais para mudar a sua vida para melhor.
“A minha mãe sempre disse que você tem que colocar o passado para trás antes que possa seguir em frente.” – Forrest Gump
Forrest Gump, no filme parecia ter aprendido uma lição que muitas pessoas mais inteligentes e esclarecidas não assimilaram. Certamente muitas são as coisas que nos podem acontecer e que nos obrigam a termos que superá-las. Há situações óbvias que nos acontecem na vida que podemos considerar traumas devastadores, como acidentes incapacitantes, doenças graves, perda pessoal, conflitos familiares, demissões de emprego, fracasso e rompimentos de relacionamento dolorosos, para citar alguns.
PERCEBA, ACEITE E SUPERE O SEU PASSADO
No entanto, muitos distúrbios ao nosso equilíbrio emocional não são visíveis a olho nu. Mágoas e cicatrizes invisíveis oriundas de decepções acerca de nós mesmos e dos outros podem levar a questionarmos as escolhas passadas, fazendo questões como: “porquê”, “Porque não”, “Porque é que eu não”, e “Se pelo menos.” Apesar do fato de percebermos que nada pode mudar o passado (os acontecimentos vividos), parece às vezes quase impossível “ultrapassar” esses sentimentos dolorosos de oportunidades perdidas, chances falhadas, escolhas ruins, amizades e relacionamentos quebrados e irrecuperáveis. O profundo sentimento de perda e desilusões, promovem a dúvida acerca de se conseguimos realmente superar isso. Eu acredito que sim. Muitas pessoas têm conseguido ultrapassar as angústias do passado.
No entanto, apesar de não ser possível mudar e/ou apagar os acontecimentos dolorosos vividos no passado, é possível reinterpretar a dor e a perda de forma a libertarmo-nos da mágoa paralisante. Aprofundei este assunto no artigo: Como dar um novo significado aos acontecimentos passados. Apesar de não podermos alterar o que aconteceu, como expliquei, é possível reinterpretar esses acontecimentos de forma a que possamos aceitá-los, percebê-los e superá-los. Ao entrar neste processo de superação de situações consideradas traumáticas ou angustiantes, deixa de ser refém do seu passado menos bem conseguido.
A seguir apresento oito passos que podem promover a superação dos acontecimentos passados:
1. Perceba que existem algumas coisas que você realmente nunca conseguirá “passar por cima”, mas certamente pode conseguir superar.
Há alguns acontecimentos que alteram tanto a nossa vida, que realmente nunca poderemos apagá-los da nossa memória ou fazermos de conta que não existiram. A perda significativa ou o coração partido por acontecimentos, como a morte de uma criança, um trauma grave, uma doença fatal, acidentes que mudam radicalmente a vida em que você ou um ente querido fica permanentemente inválido ou desfigurado, são apenas alguns exemplos. Quanto mais trágico for o prejuízo ou perda, mais somos desafiados a erguer-nos acima dos acontecimentos. Quanto mais somos pressionados ao crescimento pós-traumático, mais precisamos procurar apoio e ajuda para continuar. Aqueles que estão decididos a aceitar o sucedido e a abrir os seus corações para tentar novamente, voltar a amar, a confiar de novo, irão superar o trauma muito melhor do que aqueles que caem numa espiral de negatividade, isolamento e amargura. Podemos não ter a capacidade de mudar os acontecimentos do passado, mas podemos escolher como vamos lidar com isso, para que possamos, pelo menos, levar a vida de uma forma que ainda ofereça esperança e alegria (ainda que possa ser muito diferente daquilo que era).
2. As coisas que você não tem conseguido “superar” são avisos, precisam da sua atenção redobrada.
Imagine a luz de aviso de combustível no seu carro. O sinal de aviso que você está ficando com pouco combustível, é um sinal protetor, é um sinal que chama a sua atenção no sentido de lembrá-lo para atestar o depósito, evitando que possa vir a passar por um incómodo. Da mesma forma, algumas das coisas nas nossas vidas que não conseguimos “superar” transmitem-nos uma mensagem de que existem assuntos que necessitam da nossa atenção, no sentido de termos de fazer algo, aprender algo, ou lidar com algo. No fundo, os sentimentos negativos oriundos dos acontecimentos passados, fazem-nos sentir sensações desagradáveis para que possamos perceber que temos de fazer alguma coisa para voltarmos a ficar bem e a sentirmo-nos bem. Para aprofundar o assunto, leia: 7 Passos para entender os seus pensamentos e sentimentos negativos.
3. Mais de oitenta por cento da nossa vida não é determinada por eventos, mas pela nossa reação a eles.
Em vez de concentrar-se no que não pode ser alterado, concentre-se no que pode ser alterado. Na maioria dos casos, os acontecimentos ou as outras pessoas não nos levam a sentir de uma certa maneira. Nós é que fazemos isso. Nós é que decidimos manter-nos num sentimento incapacitante.
Claro, que dado a natureza de alguns acontecimentos de vida, temos toda a legitimidade para nos sentirmos mal. No entanto, esses sentimentos negativos não invalidam que possamos fazer algo para superar os acontecimentos e promover melhores sentimentos. Assumir a responsabilidade pelos seus próprios pensamentos e sentimentos, sair de uma mentalidade de vítima, irá capacitá-lo para ultrapassar os arrependimentos passados, derrotas, decepções, desgostos e traumas, em vez de usar isso como uma carga insuportável de transportar.
4. Dedique-se mais aos fatos, do que às interpretações
Muitas vezes não podemos “superar” algo por causa de histórias que contamos a nós mesmos, que não são baseadas em fatos. Mas sim na interpretação que fazemos do que nos aconteceu. E, em alguns acontecimentos podemos distorcer a magnitude e impacto real do sucedido. Por exemplo, algumas pessoas que perdem um emprego ficam desapontadas, mas ainda têm a confiança para seguir em frente sabendo que pode haver melhores oportunidades. Em contrapartida, outros não seriam capazes de “superar” o trauma da rejeição e rotular-se-iam como perdedores e fracassados.
As pessoas quando atravessam uma crise, muitas vezes criam histórias sobre si próprios personalizando a crueldade da vida como algo que reflecte a sua autoestima, resultante de antigos hábitos enraizados de pensamentos de julgamento depreciativo. O diálogo interno autocrítico de cariz negativo torna-se tão sedimentado, que muitas vezes não percebemos que temos o poder de mudá-lo. Para aprofundar o assunto, leia: Mude a sua história, se está insatisfeito, faça algo de diferente.
5. Dê a si mesmo permissão para sofrer o que “poderia ter sido” ou “o que poderia ter obtido”
Em alguns casos, não se pode esperar ”superar” algo de forma rápida se não se passar pelo processo de luto. O luto, não é um processo com o qual apenas lidamos quando enfrentamos a morte ou a perda de um ente querido. Existem perdas menos visíveis e concretas, tais como a percepção de que você não pode ter a vida que pensou que seria possível, que o seu entusiasmo relativamente a um determinado objetivo de vida não o conduziu a bom porto, dando lugar à decepção. Na grande maioria das situações, do mais terrível sofrimento a uma perda comum, o processo de luto é essencial para o processo de cicatrização. Às vezes precisamos passar por fases de raiva e amargura, a fim de sermos capazes de passar à fase de aceitação. Para aprofundar o assunto, leia: Como lidar com a decepção?
6. Procure apoio
Não vivemos isolados dos outros. O contato, o afeto e a troca de experiências permite-nos crescer e desenvolvermo-nos. As pessoas crescem melhor promovendo bons relacionamentos e procurando apoio. Perante o sofrimento, se nos afastarmos dos outros por nos sentirmos diferentes ou para nos protegermos, o que daí pode imergir é mais sofrimento e reviver o trauma ou a situação angustiante uma e outra vez na nossa mente. É mais saudável e promotor da recuperação procurar apoio para aliviar o seu sentimento de perda. Relacionamentos saudáveis e de apoio podem ajudar a curar feridas. Mesmo que os outros não possam resolver o seu trauma ou problema, eles podem ajudá-lo a chorar a perda ou a decepção e reconfortá-lo.
7. Saiba que não existe “voltar ao passado”, mas há “segundas chances”
Lembre-se que na grande maioria das situações não é tarde demais para “começar de novo. Se você entendeu o que anteriormente descrevi, que você não pode “passar por cima”, e começar a partir de hoje a tomar decisões saudáveis com base no que você aprendeu neste artigo, vai realmente conseguir novas soluções para velhas questões. Mudar alguns comportamentos para passar a lidar com as coisas infelizes ou evitar que ocorram novamente irá capacitá-lo. Ser proativo ao invés de reativo, e fazer alterações com base nas suas lições de vida, pode curar mágoas do passado. Para aprofundar o assunto, leia: 4 Obstáculos à mudança de vida positiva.
8. Aceite os acontecimentos e tenha compaixão por si mesmo
Perante acontecimentos que nos deixam presos ao passado, a capacidade de aceitá-los e de termos compaixão por nós mesmos são dois passos extremamente decisivos para ultrapassar o sofrimento. Não estou a falar da aceitação passiva, da aceitação displicente, em que tudo acontece e nada se faz. Não é isso. Refiro-me à aceitação da realidade tal qual ela aconteceu, em que não há retorno possível, em que não é possível apagar o que sucedeu. Perante este tipo de cenário, aceitar é o melhor remédio. Permite-nos encarar a realidade de frente, sermos compassivos connosco mesmos e a partir daí cultivar a esperança num futuro melhor. Ficar contra tudo, contra todos e até contra você mesmo, certamente não irá beneficiá-lo em nada. Cria rancor, ressentimento, indignação, desesperança, ódio, entre outros sentimentos negativos. Num estado de negatividade, mesmo aquilo que ainda temos de bom na vida fica afetado, deixamos de olhar para o que ainda faz sentido na vida. Aceite, tenha compaixão e siga em frente.
Fonte: Escola Psicologia
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