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sábado, 18 de maio de 2013

18 de maio - Dia Nacional de Combate ao Abuso de Crianças

1. ABUSO SEXUAL OU MAUS TRATOS ?
O termo abuso sexual é talvez o mais difundido e popularizado para denominar as situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, principalmente as que se referem à violência intrafamiliar, designada também como abuso sexual doméstico, violência sexual doméstica, abuso sexual incestuoso, incesto. Constata-se também que conceitualmente o abuso sexual é considerado e nomeado ora como maus tratos ora como violência. Visando superar essas dificuldades de caráter epistemológico torna-se indispensável clarificar os conceitos de abuso sexual, de maus tratos e de violência. Segundo Gabel (1997), etimologicamente, abuso indica afastamento do uso (“us”) normal. O abuso é, ao mesmo tempo, mau uso e uso excessivo. Significa, pois, ultrapassar os limites e, portanto, transgredir.

Para Ravazzola (1997) “O conceito de abuso que utilizo é amplo e não se esgota na ideia de adicção de substâncias químicas, nem na referência à agressão sexual. Podemos abusar de substâncias e também de outras pessoas, e não apenas sexualmente; o que o abuso implica sempre é um abuso anti-social de algum poder a mais na relação afetada, de tal modo que coloca o abusado ou abusada na condição de objeto e não de sujeito. O abuso refere-se a um estilo, a um padrão, a uma forma de tratamento que uma pessoa exerce sobre outra, sobre si mesma ou sobre objetos, com a característica de que não percebe que produz danos... Quem exerce abuso não aprende a regular, a medir, a dizer, a escutar e respeitar mensagens de si mesmo e do outro...; ou encontrase em contextos nos quais estas aprendizagens foram esquecidas, se diluíram ou perderam força”.
Para Dorais (1997) o que caracteriza o abuso sexual contra crianças e adolescentes é essencialmente o fato de que essa experiência vai além do que eles estão prontos para consentir e para viver.
Daniel Welzer-Lang (1988) considera que o abuso sexual consiste numa situação de dominação e que o conceito de abuso sexual contém ainda a noção de poderio: abuso de poder ou de astúcia, abuso de confiança, ou seja, noções em que a intenção e a premeditação estão presentes. Neste sentido confunde-se o conceito de abuso com o de violência.
Há críticas ao uso do termo abuso sexual, tradução do inglês sexual abuse, pois no mesmo estaria implícito que há um uso (sexual) permitido de crianças e adolescentes por adultos.
Verifica-se que os autores citados identificam o abuso como mau uso ou uso excessivo, como ultrapassagem de limites, como um “surplus” (além) de poder.
Por outro lado, há estudiosos do tema do abuso sexual que, com a preocupação de compreendê-lo, tentam classificá-lo, o que tem levado muitos a incluir o abuso sexual na categoria dos maus tratos, em parte porque os primeiros estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes foram realizados a partir do atendimento a vítimas de maus tratos físicos.
Segundo Gabel (1997) “...o abuso sexual deve ser claramente situado no quadro dos maus tratos infligidos à infância. Essa noção, aparecida recentemente, assinala o alargamento de uma definição em que se passou da expressão “criança espancada”, na qual se mencionava apenas a integridade corporal, para “criança maltratada” na qual se acrescentam os sofrimentos morais e psicológicos. “Maus tratos” abrange tudo o que uma pessoa faz e concorre para o sofrimento e a alienação de outra. Em 1990, ela abre espaço maior ao abuso sexual e às violências institucionais.”
Para Maira Grinblat e alli “Os abusos sexuais devem ser estudados no capítulo dos maus tratos às crianças, primeiro porque os maus tratos físicos e a negligência trazem nos seus mecanismos psicodinâmicos um componente sexual importante e segundo porque os métodos de repressão, de intervenção e de prevenção são os mesmos” Segundo Franklin Farinati (1990) “Abuso é um termo usado para definir uma forma de maus tratos de crianças e adolescentes, com violência física e psicológica associada, geralmente repetitivo e intencional....”
Christoffel e Cols (1992) classificam o abuso sexual como violência, subcategoria de maus tratos físicos.
Em síntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma situação de ultrapassagem (além, excessiva) de limites: de direitos humanos, legais, de poder, de papéis, do nível de desenvolvimento da vítima, do que esta sabe e compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e familiares e de tabus. E que as situações de abuso infringem maus tratos às vítimas.

2. VIOLÊNCIA SEXUAL - A CATEGORIA CHAVE NA COMPREENSÃO DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

A violência sexual contra crianças e adolescentes acontece em escala mundial, esteve sempre presente em toda a história da humanidade, e em todas as classes sociais, articulada ao nível de desenvolvimento e civilizatório da sociedade na qual acontece. Sabe-se que “reflete, de um lado, a evolução das concepções que as sociedades construiram acerca da sexualidade humana; e de outro, a posição da criança e do adolescente nessas mesmas sociedades e, finalmente, o papel da família na estrutura das sociedades ao longo do tempo e do espaço.” (Azevedo, 1993).
Segundo Faleiros (1998) “violência, aqui não é entendida, como ato isolado, psicologizado pelo descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de relações que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo civilizatório de um povo”.
Neste sentido a violência sexual contra crianças e adolescentes tem de ser analisada em seu contexto histórico, econômico, cultural, social e ético.
A história social da infância no Brasil revela que desde o tempo da Colônia as crianças não são consideradas sujeitos de direitos. Situação que vem se reproduzindo por séculos, seja por uma compreensão autoritária do pátrio poder, por concepções socializadoras e educativas baseadas em castigos físicos, seja pelo descaso e tolerância da sociedade com a extrema miséria e com as mais diversas formas de violência a que são submetidos milhões de crianças, pela impunidade dos vitimizadores de crianças, por cortes orçamentários em políticas públicas e programas sociais. Essas concepções e atitudes, vigentes até hoje, explicam a resistência da sociedade ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
A ideologia machista (de gênero) e a de idade, que autoriza o poder de adultos sobre crianças e adolescentes (o pátrio-poder, entre outros) têm validado historicamente os homens e os adultos a exercer poder sobre os mais jovens e as mulheres.
É importante reter que a categoria violência é um elemento constitutivo/ conceitual, e portanto explicativo, de todas as situações em que crianças e adolescentes são vitimizados sexualmente.
É consensual nos estudos sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes que esta se constitui numa relação de poder, autoritária, na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com pesos/poderes desiguais de conhecimento, autoridade, experiência, maturidade, recursos e estratégias.
O poder é uma força que alguém tem e que a exerce visando alcançar objetivos previamente definidos. O poder pode ser exercido de diferentes formas e em sua forma autoritária ele é validado auto-validado pela autoridade de quem o detém e decide.
Os adultos estão “autorizados” socialmente a exercer poder sobre crianças e adolescentes, poder necessário à socialização destes, como por exemplo, o pátrio poder e o poder do professor sobre os alunos. No entanto, é muito importante distinguir o poder violento do poder não violento. O poder é violento quando nega ao violentado seus direitos, quando é atentatório ou destruidor da identidade do
dominado.
Observa-se que enquanto há clareza de que o abuso intra e extrafamiliar são uma violência sexual, nem sempre a exploração sexual comercial é identificada como violência sexual e como abuso sexual.
Na literatura sobre o tema encontra-se uma preocupação em dividir (classificar) a violência em física, psicológica e sexual. A isto se acresce referências à violência estrutural e à institucional. Trata-se de uma tentativa de compreensão desse fenômeno em suas diferentes manifestações. Porém quando da análise de situações concretas de violência verifica-se que suas diferentes formas não são tão excludentes como uma classificação levaria a crer, servindo, em muitas situações, mais para confundir do que para entender o que realmente ocorre. Por exemplo, a violência física é uma violência psicológica que pode ser também institucional e estrutural; a violência sexual é também violência física e psicológica.
A gravidade da violência sexual depende fundamentalmente do grau de conhecimento e intimidade, dos papéis de autoridade e de responsabilidade de proteção do vitimizador em relação à vítima, dos sentimentos que os unem, do nível de violência física utilizada (estupro, ferimentos, tortura, assassinato) e de suas consequências (aborto, gravidez, maternidade incestuosa, sequelas físicas e psicológicas graves, morte).
A violência sexual, por seu caráter íntimo e relacional, é peculiar e se reveste de uma extrema gravidade. Em se tratando de violência sexual perpetrada por adultos contra crianças ou adolescentes esta adquire particularidades que a tornam muito mais complexa e grave pois é “organizadora” de estruturas psíquicas e sociais, principalmente nos abusos sexuais de longa duração e na exploração sexual comercial. Conceituar a violência sexual contra crianças e adolescentes implica compreender a natureza do processo que seu caráter sexual confere a este tipo de violência, ou seja, que a mesma:
Deturpa as relações sócio-afetivas e culturais entre adultos e crianças/adolescentes ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comerciais, violentas e criminosas;
Confunde, nas crianças e adolescentes violentados, a representação social dos papéis dos adultos, descaracterizando as representações sociais de pai, irmão, avô, tio, professor, religioso, profissional, empregador, quando violentadores sexuais; o que implica a perda de legitimidade e da autoridade do adulto e de seus papéis e funções sociais;
Inverte a natureza das relações adulto/criança e adolescente definidas socialmente, tornando-as desumanas em lugar de humanas; desprotetoras em lugar de protetoras; agressivas em lugar de afetivas; individualistas e narcisistas em lugar de solidárias; dominadoras em lugar de democráticas, dependentes em lugar de libertadoras, perversas em lugar de amorosas, desestruturadoras em lugar de socializadoras;
Confunde os limites intergeracionais.
Com base no acima exposto sobre os conceitos de violência sexual, abuso sexual e maus tratos é possível compreender que estes três conceitos não são sinônimos e são epistemológicamente distintos.
VIOLÊNCIA é a categoria explicativa da vitimização sexual; refere-se ao processo, ou seja, à natureza da relação (de poder) estabelecida quando do abuso sexual.
ABUSO SEXUAL é a situação de uso excessivo, de ultrapassagem de limites: dos direitos humanos, legais, de poder, de papéis, de regras sociais e familiares e de tabus, do nível de desenvolvimento da vítima, do que esta sabe, compreende, pode consentir e fazer.
MAUS TRATOS é a descrição empírica do abuso sexual; refere-se a danos, ao que é feito/praticado/infringido e sofrido pelo vitimizado, ou seja, refere-se aos atos e conseqüências do abuso.

3. REPENSANDO O CONCEITO DE ABUSO SEXUAL

Do exposto conclui-se que todas as formas de violência sexual contra crianças e adolescentes são ABUSIVAS e VIOLENTAS, incluindo as de caráter comercial, não se justificando e nem se explicando, pois, teoricamente que apenas a violência intra e extrafamiliar seja nomeada abuso sexual.
A questão que se coloca é: como conceituar e denominar as situações, até então denominadas abuso sexual, nas quais crianças e adolescentes são vitimizados sexualmente por familiares, conhecidos ou desconhecidos?
Com o objetivo de avançar a reflexão sobre a questão acima colocada entende-se que o conceito e a designação dos diferentes tipos de violência sexual deve ter como critério a natureza da relação que se estabelece em cada um dos cenários em que a mesma ocorre.
Neste sentido é importante compreender-se a natureza da relação que ocorre nas situações designadas por abuso sexual. Segundo Dorais (1997) “O abuso sexual...... tem a ver, sobretudo, com o contexto da relação”.
Por aproximações sucessivas é possível ir qualificando este tipo de relação: trata-se de uma relação de caráter sexual, não mediatizada pelo comércio, sem fins de lucro, ou seja, é um relacionamento interpessoal. Azevedo (1990) caracteriza como interpessoal e intersubjetiva a relação existente na violência familiar. O que não é suficiente, pois falta qualificar, ou seja, definir sua natureza.
Analisando com Vicente Faleiros a questão do consentimento da pessoa vitimizada sexualmente, no contexto de uma relação de dominação, ficou claro que se trata de uma relação forçada. (segundo o dicionário Aurélio: “Forçado: obrigado, compelido, violentado. Que não é natural, sem espontaneidade; contrafeito, fingido”).
Ao final da pesquisa optou-se por denominar por relacionamento interpessoal sexual forçado as situações até então denominadas abuso sexual.
Na Oficina realizada com especialistas para discutir o relatório da pesquisa o qualificativo forçado foi amplamente discutido objetando-se que este termo além de sugerir uso de força e de agressão física, além de suscitar a discussão sobre o processo de sedução e os limites do consentimento da vítima, principalmente quando esta é um (a) adolescente, que se vê envolvido numa situação da qual pode inclusive tirar prazer.
Visando precisar a natureza da relação interpessoal abusiva durante todo o ano de 1999 procedeu-se a inúmeras leituras, discussões com colegas e muita reflexão.
Como o abuso sexual é uma ultrapassagem, entre outros, dos limites legais, o que o caracteriza como crime sexual, encontrou-se por esta via a clarificação sobre a natureza da relação que se estabelece quando do abuso sexual.
O estudo dos crimes sexuais, sua definição e classificação, proposta e reconhecida internacionalmente no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana, define os comportamentos sexuais criminais como parafílicos. (Etimologicamente parafilia significa para = desvio; filia = aquilo para que a pessoa é atraida).
No DSM IV (1995) consta: “Fantasias, comportamentos ou objetos são parafílicos quando levam sofrimento ou prejuízo clinicamente significativos (por exemplo, são obrigatórios, acarretam disfunção sexual, exigem a participação de pessoas sem consentimento, trazem complicações legais, interferem nos relacionamentos sociais” (p. 497). “A característica essencial da parafilia é a atuação de um impulso sexual intenso, recorrente, e fantasias que despertam excitação sexual geralmente envolvendo (1) objetos não humanos, (2) o sofrimento ou humilhação de si mesmo ou do parceiro, (3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento” (p. 295).
Para Cohen os crimes sexuais parafílicos implicam “a imposição de seus desejos ao outro sem que este entenda o que está acontecendo e possa não permitir o ato parafílico”.
Ao se analisar as situações de abuso sexual intra e extrafamiliar verifica-se que as mesmas
São a expressão de fantasias, desejos e pulsões incontroláveis e compulsivas do
violentador, que impõe seus desejos à vítima;
São a atuação de impulso sexual envolvendo crianças e adolescentes;
Exigem a participação de pessoas, em desenvolvimento, sem seu consentimento;
Provocam danos físicos, psicológicos e sociais às vítimas, com graves seqüelas por
toda a vida;
Ocorrem num contexto de dominação, no qual o violentado encontra-se subjugado ao
violentador, sem condições de opor-se;
Acarretam complicações legais.
Com base na classificação dos crimes sexuais como parafílicos foi possível clarificar e compreender a natureza da relação que se estabelece nas situações denominadas de abuso sexual, ou seja, que se trata de um RELACIONAMENTO INTERPESSOAL SEXUAL PARAFÍLICO.
Por outro lado, sabe-se que nem todos os cenários dos relacionamentos sexuais parafílicos são idênticos, ou melhor, sabe-se que eles se distinguem profundamente, seja pelo autor da violência sexual, seu grau de parentesco, autoridade e responsabilidade em relação ao vitimizado, idade da vítima, tipo de violência cometida, freqüência, local em que a mesma ocorre.
Como dito anteriormente, o conceito e a designação dos diferentes tipos de violência sexual deve ter como critério a natureza da relação que se estabelece em cada um dos cenários em que a mesma ocorre. Ora, a designação e classificação do abuso sexual (relacionamento sexual parafílico) em intra e extrafamiliar definem o local e a autoria da violência sexual e não a natureza da relação que se estabelece entre o violentador e sua vítima.
Classificar os abusos sexuais em intrafamiliar e extrafamiliar – o que se justifica pela preocupação em entender as relações incestuosas e em dar visibilidade à sua grande incidência – corresponde a uma concepção reducionista das relações sociais, ou seja, é o familiar (o essencial) e o não-familiar, reduzindo a “restante” tudo o que não é familiar, todas as “outras”, múltiplas e diversas relações humanas. Por outro lado a classificação do abuso em intra e extrafamiliar tem por base o critério de parentesco/domicílio, não clarificando a natureza da relação abusiva.
Adotado o critério de natureza da relação, considera-se que nos relacionamentos interpessoais sexuais parafílicos ocorrem dois tipos distintos de violência sexual: a dominação sexual perversa e a agressão sexual.
3.1 - A dominação sexual perversa
Segundo Claudio Cohen (1996) “ a perversão sexual é a atuação da pulsão sexual com determinado objeto e fim que foram socialmente proibidos”. Etimologicamente perversão, do latim perversio, significa, pôr ao contrário, verter, virar do avesso.
Para Hirigoyen, Marie-France (1998), “... a denominação de “perverso”... remete claramente à noção de abuso..... Começa por um abuso de poder, prossegue por um abuso narcísico no sentido de que o outro perde toda a auto-estima, e pode chegar a um abuso sexual”. “Um Narciso, no sentido de Narciso de Ovídio, é alguém que crê poder encontrar-se no espelho. Sua vida consiste em buscar seu reflexo no olhar dos outros.
O outro não existe enquanto pessoa mas enquanto espelho. Um Narciso é uma casca vazia que não tem existência própria; é um “pseudo” que busca enganar para mascarar seu vazio.....” “Narciso, não tendo substância, vai se “pendurar” no outro e, como uma sanguessuga tentar aspirar sua vida. Sendo incapaz de uma verdadeira relação, ele não pode senão fazê-lo num registro “perverso”, de malignidade destruidora. Incontestavelmente, os perversos sentem um gozo extremo, vital, no sofrimento do outro e em suas dúvidas, como se sentissem prazer em escravizar o outro e humilhá-lo”
A dominação sexual perversa se constitui na construção - deliberada, premeditada, paciente e ritualizada - de um relacionamento perverso, que se mantém através da dominação psicológica de longa duração. Começa por um processo de sedução, que consiste na conquista sutil, seguido de uma “lavagem cerebral” que anula a capacidade de decisão da vítima, e acaba em sua dominação e aprisionamento.
A dominação presente na violência sexual, agravada nos casos em que o dominado é uma criança ou adolescente (e aí sim valem os argumentos de imaturidade), é um processo construído pelo dominador e/ou pela rede.
Esse tipo de violência sexual só pode ser como é: repetitiva, de longa duração, oculta, baixo o silêncio e a dominação da vítima e, em muitas situações, com a tolerância ou conivência da família e do meio ambiente, porque ocorre sob o domínio e o império do violentador.
Lise Noël (1989), pesquisadora quebequense que realizou extensa pesquisa sobre o processo de dominação, afirma que o dominado é levado pelo dominador a identificarse com ele, a passar, em termos identificatórios, a “ser” o dominador, no sentido de que é ele quem determina o que o dominado deve fazer e ser.
FURNISSS(1993) e PERRONE/ NANNINI, (1995) identificam nos abusos sexuais repetitivos uma dinâmica que gera uma sorte de “enfeitiçamento” que mantêm a pessoa vitimizada como que “seqüestrada” e envolvida numa armadilha da qual não pode e nem sabe como se livrar. Esse processo de aprisionamento é construído através de uma trama emocional contraditória de amor/ódio, sedução/ameaça, o que faz com que a vítima, aterrorizada, permaneça imobilizada e por vezes como que “anestesiada”. Essa trama se mantém e se solidifica através de rituais, do silêncio, da chantagem e de uma forma de comunicação muito particular.
A comunicação perversa é uma anti-comunicação, um monólogo que tem por objetivo ocultar, confundir, amedrontar, manter o poder, através de não-ditos, silêncios, reticências, subentendidos. Suas formas preferenciais de “comunicar” são, segundo Hirigoyen (1998) a mentira, o paradoxo, o sarcasmo, o desprezo, a desqualificação, a intriga, as duplas mensagens, a tonalidade de voz fria, o olhar dominador, as ordens, a imposição do poder.
A dominação sexual perversa exercida por adultos contra crianças e adolescentes é de caráter pedófilo ou hebéfilo, podendo ser incestuosa ou não, hetero e/ou homossexual: ocorre em lugares fechados (residências, consultórios, igrejas, internatos, hospitais, escolas) e inclui diferentes e variadas formas de relações abusivas.
É incestuosa quando o violentador é parte do grupo familiar (pai, mãe, avós, tios, irmãos, padrasto, madrasta, cunhados). Nestes casos considera-se família não apenas a consangüínea mas também as famílias adotivas e substitutas.
É não incestuosa quando perpetrada por pessoas conhecidas do vitimizado, com grau de intimidade variada, como amigos, vizinhos, religiosos, comerciantes do bairro, profissionais e professores. A aproximação à vítima pode ser provocada por homens pedófilos, que agem sós, em duplas ou em redes (como a Internet), por sedução e convencimento, oferecendo-se como amigos.
Os violentados conhecidos da vítima e/ou de sua família aproveitam-se da confiança que gozam, do status, do papel e do poder que possuem, do lugar de privilégio que os põe em contato direto e continuado com a vítima, da cobertura legal e pouco sujeita a suspeitas que possuem. Ocorre em lugares fechados, no domicílio ou local de trabalho do abusador (consultórios, igrejas, internatos, hospitais, escolas). Esta situação presta-se à manipulação do vitimizador, gerando grande confusão psicológica à vítima e/ou sua família, ao aproveitar-se da confiança e prestígio que goza e ao distorcer,
perversamente, as relações.
Muitas vezes a criança ou adolescente dominado sexualmente encontra-se duplamente vitimizado, pelo violentador e por uma rede de silêncio, tolerância, conivência, medo, impunidade, tanto de membros da família, como amigos, vizinhos, colegas de escola, trabalho e lazer, professores, pessoal dos serviços de saúde e de segurança, que protegem o violentador, que não raro mantém outras pessoas sob sua dominação. Nas situações em que o abusador é amigo da família, este exerce uma espécie de fascinação, tanto sobre sua vítima como sobre seus familiares, apresentando- se como uma pessoa agradável, simpática, generosa, serviçal e atenta com todos, mas muito especialmente com a vítima e seus pais. Em não poucas ocasiões favorece economicamente a família da vítima.
3.2 - A agressão sexual
Outro tipo de relacionamento interpessoal sexual parafílico é a agressão sexual, no qual a vítima, submetida pela força física (com ou sem arma) e pelo terror, sofre graves danos, como estupro ou outros atos libidinosos, ferimentos, torturas, sevícias, roubo, trauma psicológico, gravidez ou morte, associados ou não.
Em geral os vitimizadores são homens, desconhecidos da vítima, com idade média de 30 anos, compulsivos, que atuam em série, em locais públicos e isolados. Segundo pesquisa realizada por Claudio Cohen e Matsuda, junto ao IML de São Paulo em 1991, as vítimas submetidas ao exame de corpo de delito eram em 94,14% do sexo feminino e 72,39% na faixa etária inferior a 18 anos. Muitas situações de agressão sexual não são denunciadas por medo ou vergonha das vítimas, e por descrédito na responsabilização dos agressores.
Claudio Cohen, Rada (1978), em pesquisa realizada sobre estupros, “concluiu que esse crime sexual, mais do que uma violência social, é um crime de poder, controle e humilhação”. Groth (1979), estudando também estupradores “apontou que o crime sexual serviu para preencher a necessidade de exprimir raiva em 95% dos indivíduos estudados, mostrando como a questão da agressão é maior do que a do desejo sexual”. Para Quincey (1990) no estupro há “a descarga da agressividade e a atração por uma sexualidade violenta”.
Gijseghem (1988), que estudou a personalidade dos abusadores sexuais, classifica de carência agressiva devorante este tipo de violência sexual. Como indivíduos carenciados esses abusadores sentem-se no direito de fazer o que querem, de obter a qualquer preço o que não tiveram e lhes faz falta, de ultrapassarem todos os limites sociais. São movidos por uma raiva devoradora e vingativa, e extremamente agressiva e cruel. Cometem crimes violentos e escabrosos. Não têm nenhuma sensibilidade ao outro e nem sentem culpa. Podem cometer incesto e na família impõem seu império, sadismo e crueldade.
3.3 - A questão do consentimento da vítima
Uma das principais características dos relacionamentos interpessoais sexuais parafílicos é o não consentimento das vítimas. A questão do consentimento ou não da criança ou adolescente violentado sexualmente é uma das mais discutidas, controvertidas e sujeita a preconceitos, inclusive dos pontos de vista policial, legal, jurídico e da opinião pública.
A cultura machista tende a culpabilizar a vítima mulher, acusando-a de seduzir o homem violentador sexual. Outro argumento que vem sendo muito utilizado juridicamente na defesa de violentadores sexuais é o de que as adolescentes atualmente são amadurecidas e informadas o suficiente para se oporem a abusos sexuais, o que significaria que estes ocorrem com o consentimento das vítimas ou provocados por estas.
É importante destacar que os argumentos até então utilizados na discussão do consentimento da vítima têm se assentado principalmente nas condições individuais da mesma (capacidade pessoal de sedução, maturidade, informação), e não na natureza das relações de violência, dominação e agressão às quais encontram-se submetidas. Nas relações de dominação e de agressão a vítima tem muito poucas condições de reagir, independente de suas condições pessoais, porque encontra-se sob o império do dominador/agressor, em situação análoga às de tortura, seqüestro, ameaça de morte, escravidão. Nessas situações há um processo de dominação psicológica e física, o poder do vitimizador é de natureza violenta e se exerce autoritariamente. Cabe a este tomar decisões pelo vitimizado, não deixando-lhe espaço de liberdade/de escolha /de decisão; pela imposição da vontade, desejos e pontos de vista de quem detém o poder.
Numa relação desta natureza a vítima encontra-se impossibilitada de consentir, ou seja, não há espaço para opções, ou este espaço é muitíssimo reduzido. A questão da responsabilização do vitimizado sexual e sua participação nas situações de violência sexual tem de ser considerada no mesmo contexto do consentimento. Neste sentido a argumentação sobre a responsabilização é a mesma que a do consentimento, ou seja, o vitimizado não pode ser responsabilizado por atos dos quais participa enquanto dominado.

4. O CONCEITO DE EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL

4.1 - Evolução do conceito e concepções do fenômeno da exploração sexual de crianças e de adolescentes
A década de 90 representa um importante marco no enfrentamento do uso sexual de crianças e de adolescentes no mercado do sexo, através de uma conscientização da gravidade e do avanço do problema em todo o mundo e de uma mobilização nacional, continental e internacional, tanto de organismos internacionais (OIT, INN, ONU) como de ONGs ( ECPAT, BICE), entre outros, que promoveram importantes Seminários e Congressos, estudos, pesquisas e programas de atenção aos (às) vitimizados. Mobilização esta que possibilitou importantes avanços no conhecimento e na compreensão desse fenômeno. Verifica-se que o conhecimento, a compreensão e a conceituação dessa problemática evoluiu, reconhecendo-se, no entanto, que não se dispõe ainda de uma avaliação quantitativa do problema.
Sabe-se que se trata de um fenômeno em escala mundial e que atinge milhões de jovens, principalmente do sexo feminino, em países com população pobre. A dificuldade conceitual da questão e sua precária avaliação quantitativa deve-se ao fato do mercado do sexo ser extremamente poderoso economicamente, florescente, que se recicla constantemente, ser ilegal, criminoso e dominado por máfias, o que faz com que o conhecimento e as pesquisas sobre essa problemática sejam extremamente difíceis e até mesmo perigosas.
No início da década de 90 o uso de crianças e de adolescentes no mercado do sexo era designado por Prostituição Infanto-Juvenil. Não se havia ainda aprofundado os estudos do fenômeno enquanto mercado, exploração, e muito menos como produção industrial pornográfica.
O incremento do turismo sexual e o desenvolvimento de todo seu mercado (inclusive o tráfico de crianças e adolescentes, principalmente do sexo feminino), e posteriormente o surgimento e rápida expansão do sexo via Internet, possibilitou uma maior clareza sobre a importância da pornografia enquanto forma de exploração de crianças e de adolescentes.
A partir desses avanços considera-se atualmente que esse fenômeno não se restringe à prostituição mas implica também outras formas: a pornografia, o turismo sexual e o tráfico. Avançou-se também na compreensão das dimensões política e ética do fenômeno, ou seja, deste como uma questão de cidadania e de direitos humanos, e sua violação como um crime contra a humanidade.
Identifica-se entre os pesquisadores, instituições e profissionais que atuam no enfrentamento do problema do uso de crianças e adolescentes no mercado do sexo diferentes concepções quanto à compreensão desta problemática. Ou seja, a de que se trata de um trabalho intolerável, de uma forma moderna de escravidão, e a concepção de que esse fenômeno deve ser entendido como exploração sexual comercial, posição esta adotada no Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, realizado em agosto de 1996 em Estocolmo.
4.2 - Elementos explicativos do fenômeno
A compreensão do caráter econômico do trabalho e da exploração no mercado do sexo e a realização de inúmeras pesquisas sobre esta realidade possibilitaram identificar a pobreza e a exclusão (e a busca de inclusão via renda e consumo) como importantes determinantes da inserção neste mercado de trabalho.
À medida que avançou o conhecimento desse fenômeno tornou-se possível dimensionar toda sua complexidade e perceber que sua explicação deveria incluir muitas outras variáveis e dimensões, ampliando-se a compreensão de seus múltiplos determinantes.
Ou seja, de que se trata de um fenômeno de caráter econômico e simbólico. A exploração sexual de crianças e de adolescentes têm de ser compreendida em suas determinações históricas.
A formação econômica, social e cultural da América Latina, assentada na colonização e na escravidão, produziu uma sociedade escravagista, elites oligárquicas dominantes e dominadoras de categorias sociais inferiorizadas pela raça, cor, gênero e idade.
O que deu origem a uma sexualidade machista, sexista, adultocêntrica, ainda vigente. Essas categorias sociais dominadas (negros, índios, escravos, mulheres e crianças pobres), viram-se, durante séculos, e até hoje, excluidas, da escola, da profissionalização, do mercado de trabalho, dos serviços de saúde, da habitação, da cultura, do consumo.
Por outro lado é importante destacar as articulações do fenômeno da exploração sexual com as atividades econômicas dos territórios onde ocorre. Ou seja, as formas de exploração variam segundo o desenvolvimento econômico das localidades ou regiões nas quais existe.
Por exemplo, no Brasil, nas cidades onde houve incremento ao turismo floresceu o sexo turismo; próximo a atividades econômicas primárias de extração (garimpos) existem bordéis com mulheres escravizadas; em Brasília, centro político e administrativo, há a oferta de garotas (os) de programa, “acompanhantes” de políticos e executivos; nos portos encontra-se, além de bordéis, o “turismo náutico”.
Verifica-se, também, que grandes empreendimentos e obras, com presença de importantes contingentes de população masculina necessitando “ser servida sexualmente”, provocam o aparecimento de muitas empresas do mercado do sexo.
Marcel Hazeu, pesquisador da área, chama a atenção para as articulações do fenômeno da exploração sexual com as demandas atuais à juventude em relação à sexualidade e ao consumo, como processo de inclusão. Por outro lado, Hazeu aponta as situações de trânsito como importante fator de ruptura de limites sociais e padrões culturais e de liberalização sexual.
Considerando que um dos principais determinantes da inserção de crianças e de adolescentes no mercado do sexo é a pobreza e a exclusão sócio-econômica (da escola, do consumo, mercado de trabalho, da saúde, da cultura), o enfrentamento desse problema passa, obrigatoriamente, pela inclusão, através do acesso a políticas sociais públicas, responsabilidade exclusiva do Estado. Neste sentido cabe às ONGs um papel complementar e subsidiário, de parceiro do Estado.
4.3 – Um outro conceito de exploração sexual comercial - O Contrato Sexual e de Trabalho no Mercado do Sexo.
A bibliografia sobre violência sexual contra crianças e adolescentes distingue duas realidades distintas: o abuso sexual e a exploração sexual comercial. O abuso sexual, cujo conceito foi repensado no item 3 deste texto, refere-se a relacionamentos de caráter sexual interpessoal. A exploração sexual comercial refere-se a relações de outra natureza, ou seja, relações de caráter comercial e mercantil. Como a exploração sexual comercial é uma atividade essencialmente econômica, entende-se que estudá-lo na perspectiva econômica pode clarificar a compreensão do processo a que estão submetidas as crianças e adolescentes que trabalham no comércio e na indústria do sexo.
No entanto a natureza sexual dessa exploração conduz, obrigatoriamente, a uma análise ideológica dessa realidade e desse conceito. Todas as pesquisas do fenômeno indicam que a grande maioria das crianças e adolescentes exploradas sexualmente são do sexo feminino e os exploradores do sexo masculino. Neste sentido pode-se afirmar que o contrato sexual firmado tem um caráter de gênero.
Carole Paterman, em seu livro “O contrato sexual” (1988), define este contrato como uma forma de acesso e utilização do corpo de um contratante por outro, em geral o uso sexual do corpo da mulher pelo homem, fundamentado e “autorizado” pelo patriarcado e que ocorre tanto no mercado do sexo, como no casamento e recentemente na gestação de aluguel.
O caráter econômico da exploração sexual comercial no mercado do sexo exige um estudo aprofundado dos conceitos de exploração, trabalho, mercado do sexo e comércio sexual, correntemente utilizados e não ainda suficientemente descritos. Por lado é importante proceder-se ao estudo do comércio sexual capitalista em seus aspectos estruturais, ou seja: a oferta, a demanda, a mercadoria, a troca, a venda e o contrato.
Segundo Pateman a idéia que sustenta o contrato original é a de que as relações sociais livres e igualitárias tomam a forma de contrato. No entanto em certos contratos, como os de trabalho, casamento, prostituição, as partes contratantes não são livres e iguais. Como “a troca é a essência do contrato....se uma das partes está em posição de inferioridade – o trabalhador ou a mulher – então ele ou ela não tem escolha a não ser aceitar os termos desfavoráveis propostos pela parte em superioridade.
A peculiaridade dessa troca é que uma das partes do contrato – a que dá proteção – tem o direito de determinar como a outra cumprirá a sua parte na troca.” ..... a liberdade transforma-se em obediência em troca de proteção e se estabelecem relações de dominação e subordinação”.
Proteção é aqui entendida como condições de sobrevivência, traduzidas em salário, remuneração, alimentação, habitação, como no contrato de trabalho, na prostituição e no casamento.
A análise das relações contratuais existentes no mercado do sexo permite distinguirse duas realidades distintas, que se caracterizam por formas diferenciadas de contrato: A EXPLORAÇÃO SEXUAL NO MERCADO DO SEXO (na qual as(os) trabalhadoras(os) no mercado do sexo encontram-se subordinadas a dois contratos: o sexual e o de trabalho) e O CONTRATO SEXUAL AUTÔNOMO (no qual a subordinação ocorre no contrato sexual entre a trabalhadora e o cliente).
4.3.1 - A Exploração no Mercado do Sexo
O uso comercial de crianças e de adolescentes no mercado do sexo é comumentemente conceituado como exploração e como atividade através da qual adultos “tiram proveito” de jovens menores de idade. Verifica-se, no entanto, que tem sido pouco estudada a natureza dessa exploração, bem como o significado do “tirar proveito”.
O estudo do conceito de exploração no contexto do sistema capitalista, da sociedade de consumo e do mercado do sexo permite clarificar a natureza da exploração sexual comercial.
A análise da exploração, segundo a teoria econômica marxista, implica obrigatoriamente o estudo do processo de trabalho, da mercadoria e de sua comercialização, e do lucro.
O sistema capitalista se estrutura em base à propriedade privada, que gera o lucro e a acumulação, através da exploração da força de trabalho dos trabalhadores. O comércio do sexo e a indústria pornográfica, profundamente articulados, constituem o mercado do sexo que é sustentado pelo trabalho sexual de mão de obra adulta e infanto-juvenil, que gera lucro e que é nele explorada.
Como dito anteriormente há entre os estudiosos da problemática do uso de crianças e adolescentes no mercado do sexo os que negam o caráter de trabalho às atividades desenvolvidas por crianças e adolescentes neste mercado.
Nosso objetivo é, com base nos dados empíricos, aprofundar a análise das atividades no mercado do sexo enquanto trabalho. Marx define o trabalho como: "...um dispêndio de força de trabalho humano de uma determinada forma e com um objetivo definido e é nessa qualidade de trabalho concreto útil que produz valores de uso".
No comércio sexual e na indústria pornográfica, como visto anteriormente, são várias as formas de trabalho da mão de obra adulta e infanto-juvenil empregada (na prostituição em bordéis, shows eróticos, call girls, participação em fotos, vídeos, filmes pornográficos, produção e comércio de objetos sexuais, entre outros), e que, através desse trabalho concreto, produz valor de troca e valor de uso, gera lucro para os proprietários de empresas industriais e comerciais, e é, portanto, explorada.
Na prostituição, tráfico e turismo sexual é comum que o contrato de trabalho seja vinculado à "dívida" contraída pelas trabalhadoras com o empregador, anterior ou durante a vigência do contrato, relativas a transporte, vestuário, produtos estéticos, alojamento, alimentação, serviços de saúde e outros. A dívida é um dos mais importantes instrumentos de exploração e controle que os patrões possuem, pois são eles que detém a contabilidade da conta das trabalhadoras, que não possuem um controle paralelo de suas receitas e despesas e nem têm acesso às suas contas.
Com base na análise da extensa bibliografia e em pesquisas existentes sobre a exploração sexual de crianças e de adolescentes, inclusive em grande número de depoimentos de vitimizados no mercado do sexo, é possível caracterizar o mundo do trabalho neste mercado e distinguir no mesmo três diferentes tipos de trabalho: o formal, o informal e o escravo.
Em síntese, essa pesquisa do CECRIA possibilitou compreender que as concepções vigentes sobre o uso de crianças e adolescentes no mercado do sexo – exploração sexual comercial, trabalho e escravidão – não são excludentes, mas que:
a) trata-se, em todas as situações analisadas de um comércio, porém: formal no mercado do sexo, e informal nos contratos sexuais autônomos;
b) trata-se de um trabalho: No mercado do sexo (indústria e comércio sexual) encontra-se o trabalho formal, que gera lucro e que se caracteriza como exploração. Em situações de extrema exploração, como na prostituição em bordéis principalmente no norte do país, no tráfico e em certa produção pornográfica cruel e mesmo necrófila há trabalho escravo. Em atividades no mercado informal do sexo, sem vínculo empregatício, principalmente a de prostituição, trata-se de trabalho autônomo, não se caracterizando nessa situação o processo de exploração no sentido marxista;
c) trata-se de contratos: sexuais em todas as situações nas quais há o uso sexual do corpo de um dos contratantes, que se encontra subordinado ao contratante que possui o poder de pagar pelos serviços sexuais prestados, ou seja, troca de “proteção” por obediência. Há contrato de trabalho (formal) nas atividades no mercado do sexo, o que não ocorre nas relações de contrato sexual autônomo.
4.3.2- O Contrato Sexual Autônomo
Entende-se por contrato sexual autônomo o realizado por profissionais não contratados no mercado formal do sexo. São principalmente aqueles que trabalham por conta própria e exercem suas atividades na prostituição de rua, incluindo meninos e meninas de rua, ou através oferta de serviços sexuais em "classificados". Trata-se de um trabalho cujo objetivo é a troca de serviços sexuais entre um cliente e um profissional remunerado pelos serviços prestados. Que, neste sentido, passam a ter valor de uso.
Portanto, estes trabalhadores não têm contrato de trabalho com empresários capitalistas do ramo de negócios do sexo; não geram lucro e não são explorados, segundo a concepção marxista.
O contrato existente é entre o (a) profissional e o cliente, com quem mantém uma relação de prestação de serviço/consumo.
Gozam de autonomia na definição do horário e do local de trabalho e da sua produtividade. Seu espaço de trabalho é a rua, exceto os (as) que "garotos (as) de programa". Neste tipo de atividade o poder encontra-se concentrado na demanda e no consumidor.
São eles que selecionam a mão de obra e que determinam, de certa forma, o preço da mercadoria ofertada e a remuneração pelos serviços prestados.
A remuneração do profissional pelos serviços prestados é negociada, através do programa, com o cliente-consumidor e depende da demanda e da produtividade do profissional.
Os profissionais do sexo que trabalham na rua, por serem mão-de-obra pouco qualificada, são, em geral, mal remunerados.
Trata-se de atividade de baixo "status" e estigmatizada. É um trabalho não clandestino e extremamente perigoso, pois sujeito a todo o tipo de violência, repressão policial e social.

5. CONTRIBUIÇÃO À CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE RELACIONAMENTO INTERPESSOAL SEXUAL PARAFÍLICO E DE CONTRATO SEXUAL E DE TRABALHO NO MERCADO DO SEXO

Entende-se por CONCEITO, idéias gerais e abstratas, desveladas pela operação intelectual de abstração, e que permitem construir teoria sobre o fenômeno estudado. Construir um conceito é teorizar sobre os elementos que constituem o fenômeno em estudo.
Segundo Durozoi e Roussel “para os empiristas os conceitos são o resultado de um processo de abstração a partir da experiência, enquanto para os racionalistas, a razão os produz independentemente de qualquer ensino empírico”.
Neste texto não se pretende desenvolver uma teoria sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes mas contribuir à sua conceituação. Neste sentido indica-se algumas idéias matrizes para a construção dos conceitos de relacionamento interpessoal sexual parafílico, e o de contrato sexual e de trabalho no mercado do sexo, apresentados no quadro que segue.
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS (IDÉIAS MATRIZES) PARA A CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS DE.

Dia Nacional de Combate a Abuso de Crianças

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MARCO GERAL

Não basta identificar os elementos que constituem um conceito; é indispensável definir a orientação teórica adotada no estudo de qualquer fenômeno. Ao conceituarse o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes deve-se ter claro que teorias da violência, da sexualidade, da infância, da adolescência, dos direitos, da exploração, do trabalho, do contrato, do mercado do sexo são adotadas.
Entende-se que o estudo do fenômeno da violência sexual deve orientar-se por uma concepção dialética. Filósofos dialéticos defendem a idéia de que ” para evitar-se a esclerose do espírito deve-se admitir um vaivém entre conceitos e percepções ou experiências, de maneira que se produza um enriquecimento mútuo. Bachelard demonstrou que um conceito científico modifica-se em consequência do avanço das teorias”.
(Durozoi e Roussel). Neste sentido há que compreender esse fenômeno em seu movimento, ou seja, cada um dos elementos constitutivos de seu conceito deve ser estudado em sua evolução histórica. Entende-se também que a violência sexual é de ordem econômica e cultural.
E que os elementos constitutivos (idéias matrizes) de seu conceito articulam-se entre si. Com base no marco teórico explicitado, indica-se, a seguir, alguns parâmetros orientadores para a conceituação do fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes.
SEXUALIDADE
O exercício da sexualidade humana, por sua complexidade, que implica aspectos biológicos, emocionais, sociais, econômicos, históricos, culturais e legais, oferece imensos desafios teórico-práticos aos que lidam com temas a ela relacionados, como o da violência sexual.
A sexualidade e seu exercício têm de ser considerados histórica e culturalmente, ou seja, o aprendizado da sexualidade ocorre em sociedades concretas, em lugares e épocas que o distinguem. Neste sentido tem sido da maior importância a contribuição de estudos antropológicos e históricos, por exemplo em relação ao incesto.
Segundo Suely Andrade (1999) “A própria natureza da sexualidade não traz em si mesma as formas pelas quais ela pode ser vivida; a sexualidade tem infinitas formas de se manifestar e se expressa em inúmeras relações psicológicas e sociais e não somente naquelas que incluem genitalidade, ou seja em atos sexuais.
Verifica-se, históricamente, que o desenvolvimento da sexualidade foi entendido, por muito tempo, como um imperativo biológico centrado nos genitais, a partir de uma visão do ser humano como um animal (racional) produto de uma junção de células. Atualmente, o entendimento que se tem é de que desconsiderar ou fragmentar os aspectos biológicos, psicológicos, sociais, econômicos, culturais e transcendentais que compõem a vida e a sexualidade humanas impede a compreensão da pessoa enquanto um ser múltiplo, complexo e integrado. Neste sentido as fases do desenvolvimento humano e da sua sexualidade devem ser compreendidas como a interrelação entre esses múltiplos aspectos e a singularidade e particularidades de cada indivíduo no contexto no qual este está inserido”.
Nos dias atuais a sexualidade tem que ser, obrigatoriamente, pensada no contexto das profundas transformações, tanto econômicas como sócio-culturais, pelas quais passam as sociedades contemporâneas e principalmente às que dizem respeito ao exercício da sexualidade e ao mercado do sexo.
Um outro importante aspecto da sexualidade a ser considerado no estudo da violência sexual são as relações entre sexo e gênero, o que vem sendo estudado por pesquisadores da área, entre outros por Saffioti.
A liberalização sexual e a globalização do mercado do sexo, bem como a crescente consciência da extensão e da gravidade da vitimização sexual de crianças e adolescentes, tornam urgente um redimensionamento da prevenção da sexualidade. Entende-se como superada a concepção da prevenção junto a populações de risco o que, além de ser extremamente difícil de definir nesta área, não se dirige a toda a população, privando-a do direito (universal) a uma sexualidade satisfatória, responsável e protegida.
Nos estudos e na bibliografia sobre violência sexual verifica-se que a dimensão sexual dessa violência carece ainda de estudos mais aprofundados que levem em conta toda sua complexidade. No entanto já é possível caracterizar as situações de violência sexual contra crianças e adolescentes como:
O envolvimento de criança ou adolescente em atividades de caráter sexual, por parte de pessoa dotada de autoridade e poder;
Uma relação de poder entre desiguais: o violentador, além de ter mais idade, é maior e mais forte (em tamanho e força) do que o violentado; é dotado de ascendência e/ou autoridade reconhecidas; possui treino no exercício do poder e acesso aos recursos sociais e econômicos que o habilitam para tal exercício (Ravazzola);
Uma relação de poder, na qual a pessoa com mais poder (o violentador) aproveita-se do violentado e tira vantagens da relação de violência, ou seja, prazer sexual, dominação do outro, sadismo, lucro;
Uma relação de dominação, ou seja, de poder do dominador de realizar seus interesses e objetivos e de grande dificuldade do dominado de reagir;
Uma relação assimétrica de gênero e de idade, envolvendo, na grande maioria dos casos, homens adultos e crianças e adolescentes do sexo feminino:
Uma violação dos direitos da pessoa humana e da pessoa em processo de desenvolvimento; direitos à integridade física e psicológica, ao respeito, à dignidade, ao processo de desenvolvimento físico, psicológico, moral e sexual sadios. A violência sexual na família é uma violação ao direito à convivência familiar protetora. Nos casos de comércio sexual é violado o direito de não ser explorado e o de trabalhar em condições dignas, sem perigo e não estigmatizantes.
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
As categorias criança e adolescente nem sempre existiram; foram construidas histórica e socialmente e seus lugares sociais se distinguem segundo a época e a sociedade em que vivem.
Na bibliografia sobre a proteção e assistência a crianças e a adolescentes, e inclusive a referente à violência sexual, utiliza-se essas duas categorias indistintamente como se se tratasse de uma mesma realidade (“menores de idade”, de influência jurídica) e de uma só etapa no processo de desenvolvimento. Além disto abstrai-se, em geral, a classe social, o gênero e a raça/etnia às quais pertencem como se estas não fossem fundamentais na formação das identidades e na determinação de suas situações concretas de vida.
A formação econômica e social brasileira, que deu origem às culturas machista, escravocrata e burguesa são determinantes da violência sexual a que são submetidas crianças e adolescentes no país.
A erotização da sociedade brasileira, que tem a ver também com seu tipo de colonização, e mais recentemente a mídia e a sociedade de consumo, inclusive sexual, vêm estimulando nossa população infanto-juvenil a uma erotização precoce e ao consumismo, como atestam as Tiazinhas, Xuxas e Carlas Peres, seus programas na TV, suas danças e suas grifes.
No que se refere à problemática da violência sexual, por sua natureza sexual e, portanto, estreita vinculação com a sexualidade, é indispensável distinguir em seu estudo e enfrentamento a etapa de desenvolvimento das vítimas.
FAMÍLIA
A família, sua composição, dinâmica e funções tem de ser considerada historicamente. A história e a antropologia têm contribuído enormemente para a compreensão da família brasileira, no passado e hoje. Estudos esses que devem servir de base ao entendimento da vitimização sexual de crianças e adolescentes por familiares.
Todas as famílias têm uma história familiar, articulada à história social e econômica do lugar e da época em que vivem. Histórias que ajudam a compreender sua dinâmica, comportamentos e atitudes diante da vida, dos filhos e da vitimização sexual de suas crianças e adolescentes.
Causam ainda muitas surpresas e inseguranças as profundas e recentes transformações que vêm sofrendo as famílias e que têm provocado mudanças nos papéis, valores e cotidiano familiares.
Para além das tipologias e diagnósticos psicológicos é neste contexto amplo que devem ser pensadas as famílias brasileiras e as famílias concretas que vitimizam e as que não vitimizam sexualmente seus filhos.
No entanto é importante não apenas culpabilizar as famílias brasileiras, pois grande parte delas são abandonadas pelo Estado e pela sociedade e se vêem sozinhas diante da imensa e difícil tarefa de sustentar, criar e educar os filhos no Brasil de hoje. Vivem elas num país que não cuida de seus cidadãos.
DIREITOS/CRIME
Na literatura e nas definições pesquisadas sobre vitimização sexual de crianças e adolescentes a violação de direitos aparece como um dos elementos conceituais mais considerados.
Os direitos são históricos; sua legitimidade e legalidade são construções da sociedade e da humanidade. E o acesso ou não aos mesmos inscreve-se em padrões societários e culturais.
No Brasil pós-golpe convive-se com padrões societários antagônicos e contraditórios. Ao lado de um importante movimento pela cidadania impera no país a impunidade, a justiça de classe (ou injustiça para os pobres, os fracos, os excluídos, os marginalizados), uma trágica herança histórica da escravidão e a presença atual de múltiplas formas de autoritarismo.
A violência sexual contra adultos, crianças e adolescentes (principalmente do sexo feminino) é ao mesmo tempo repudiada e numerosa. Os direitos das crianças e adolescentes brasileiros, historicamente pessoas sem valor e sem direitos, são ainda fortemente contestados pela sociedade, que resiste fortemente ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Segundo Riches “a violência conota fortemente um comportamento que é, em algum sentido, ilegítimo e inaceitável”.
Ética, cultural e socialmente a violência sexual contra crianças e adolescentes é uma violação de direitos humanos universais, de regras sociais e familiares da cultura da sociedade em que ocorre. É, portanto, uma ultrapassagem dos limites humanos, legais, culturais, sociais, físicos, psicológicos. Trata-se de uma transgressão e neste sentido é um crime, ou seja, é o uso delituoso, delinqüente, criminoso e inumano da sexualidade da criança e do adolescente.
A legislação penal brasileira, com sua caracterização limitada e desatualizada dos crimes sexuais, bem como a corrupção da polícia (quando não seu envolvimento direto nos crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes), a inoperância da justiça, a tolerância da sociedade e a impunidade generalizada vêm impedindo a responsabilização dos culpados e o acesso das crianças e adolescentes vitimizados a seus direitos.
REDES
Segundo Vicente Faleiros (1998) “As redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação de atores/organizações, forças existentes no território, para uma ação conjunta multidimensional, com responsabilidade compartilhada (parcerias) e negociada”.
O caráter de rede presente na violência sexual contra crianças e adolescentes é cada vez mais claro para os estudiosos do tema, principalmente nas situações de seu uso no comércio sexual. No entanto a articulação de redes (violentas e de proteção) não é ainda suficientemente considerada, nem tem sido muito estudada nas situações de relacionamento interpessoal sexual parafílico.
Com a expansão do mercado do sexo, as organizações e empresas de uso comercial do sexo passaram a atuar em redes, articuladas em nível nacional e internacional. Segundo pesquisas realizadas, o comércio e a indústria do sexo articulam-se com outras redes, como as de tráfico de drogas e de mulheres, de corrupção, e inclusive as de pedofilia e de pornografia, via Internet.
As redes de prostituição organizam o tráfico de mulheres (adultas, adolescentes e crianças) para o comércio sexual, estabelecem “rotas”, abastecem prostíbulos, boates, casas de show. A indústria pornográfica produz material (revistas, fotos, filmes, videos, objetos) distribuidos nacional e internacionalmente. O tráfico nacional e internacional de mulheres é, por vezes, articulado com o turismo sexual. Trata-se da globalização de mercados da contravenção, que atuam através de redes clandestinas, muito poderosas, mafiosas e violentas, vigiadas por fortes esquemas de segurança.
A concepção do relacionamento interpessoal sexual parafílico centrada no binômio vitimizador/vitimizado, e ainda vigente, tem levado pouco em conta as redes familiar, comunitária e institucional presentes nessas situações, e que as sustentam. Sem essas redes privadas, societárias e públicas praticamente não haveria espaço para relacionamentos sexuais forçados com crianças e adolescentes no interior das famílias.
Trata-se de redes de silêncio, tolerância, conivência, medo, impunidade, tanto de membros das famílias onde tal ocorre, como amigos, vizinhos, colegas de escola, trabalho e lazer, professores, pessoal dos serviços de saúde e de segurança. E essas redes revelam, nas situações de vitimização sexual, o que são, ou seja, sua cultura, sua dinâmica, sua ética, seus medos e fantasias, suas condutas, seu compromisso social, suas concepções de sociedade, de nacionalidade, de futuro, de humanidade.

O MERCADO DO SEXO

O mercado é o espaço abstrato onde se dá a comercialização. A mercadoria, que é o resultado de um processo de produção, se caracteriza pelo poder que tem de satisfazer a uma necessidade humana, ou seja, o que Adam Smith chamou de valor de uso.
No mercado do sexo há a comercialização e a produção da mercadoria serviços e produtos sexuais. Trata-se de um produto subjetivo - o prazer, que passa a ter valor de uso para os consumidores/clientes. Neste mercado são produzidas e comercializadas diversas mercadorias (prostituição, shows eróticos, call girls, fotos, vídeos e filmes pornográficos, entre outros), cujo objetivo é a geração de lucro para os proprietários das empresas industriais e comerciais.
A oferta de serviços sexuais, restrita durante séculos quase que exclusivamente à prostituição foi, historicamente, se ampliando e diversificando. Neste século, com o desenvolvimento da tecnologia, dos meios de comunicação de massa e da sociedade de consumo, bem como com a liberalização sexual, estruturou-se o mercado sexual do sexo e a indústria pornográfica.
No mercado do sexo há a comercialização e a produção da mesma mercadoria -serviços e produtos sexuais - altamente vendáveis, porque integrados à sociedade de consumo globalizada. Produtos e serviços esses que se caracterizam por sua grande variedade, níveis de qualidade, de consumidores, de profissionais que empregam, de preços.
É importante salientar a existência de um imenso mercado consumidor para serviços sexuais, considerando que o sexo é uma mercadoria altamente vendável e valorizada, principalmente o sexo–jovem, de grande valor comercial. Exemplo disto são os “leilões de virgens” ainda existentes em diversos países.
É um mercado extremamente importante, de alta lucratividade, florescente em quase todos os países do mundo, globalizado e de grande importância nas economias nacionais. O mercado do sexo funciona como um ramo de negócios que comercializa e produz serviços e produtos sexuais os mais diversos.
Para pagamento dos serviços é previamente estabelecido o preço, representado pela quantidade de dinheiro que compra uma determinada mercadoria. Preço este que varia muito, dependendo do nível da empresa, dos serviços comercializados e do mercado consumidor. Como qualquer outro ramo de negócios este está sujeito à oferta e à demanda, ou seja, às "leis" do mercado.
Trata-se de um mercado livre, que se caracteriza pela ausência de controle de funcionamento como: registro, pagamento de impostos, emissão de notas fiscais. Como é um mercado ilegal, clandestino e paralelo muitas empresas do mercado do sexo funcionam com uma cobertura legal e um nome de fantasia que não correspondem à verdadeira atividade comercial ou serviços ofertados, como é o caso de boates, bares noturnos, hotéis e pousadas, agências de modelos, agências de viagem e de turismo, entre outros.
É um ramo de negócios articulado com outros negócios, tanto legais (hotéis, agências de turismo, agências de modelo), como ilegais (falsificação de documentos, tráfico).
É importante destacar que os profissionais no mercado do sexo e na indústria pornográfica são tanto mulheres como homens. A participação masculina nesse ramo de negócios, que inicialmente era principalmente de homossexuais e travestis, vem se ampliando e diversificando, com o ingresso nele de heterossexuais e bissexuais, que trabalham em shows eróticos, prostituição e como garotos de programa, modelos fotográficos, aliciadores, entre outras atividades.
O mercado do sexo é estratificado, por nível de qualidade dos serviços e produtos ofertados e pelo nível da clientela consumidora. Tanto na produção como na comercialização das mercadorias sexuais o preço (quantidade de dinheiro que compra uma determinada mercadoria) da mão de obra, dos produtos e dos serviços é previamente estabelecido. Preço este que varia muito, segundo a qualidade dos serviços e produtos ofertados, o nível da clientela consumidora e a capacitação dos profissionais que emprega. O que obriga a uma grande rotatividade de serviços e de profissionais. Como qualquer outro ramo de negócios este está sujeito à oferta e à demanda, ou seja, às "leis" do mercado.
Como todo o ramo de negócios neste há uma acirrada concorrência, tanto entre empresas como entre profissionais, pois manter o padrão de qualidade dos estabelecimentos, dos serviços e dos(as) profissionais determina os preços, a clientela consumidora e a lucratividade.
A cotação das mercadorias sexuais constitui-se numa preocupação constante por parte dos empresários do mercado do sexo, que atentos às oscilações do mercado, a novas demandas de consumo, a mudanças culturais e tecnológicas nacionais e internacionais, definem ou redefinem suas estratégias comerciais.
O que explica o investimento que é feito na capacitação, especialização e reciclagem dos profissionais que atuam neste mercado, nas mais diversas áreas como: gerenciamento, relações públicas, marketing, produção artística, informática, publicidade, propaganda e muitos outros, que se fazem necessários para o funcionamento dos diversos ramos de negócios do sexo, buscando garantir um retorno financeiro elevado, ou seja, lucros em escala sempre crescente.

O TRABALHO FORMAL

O trabalho formal implica uma relação empregatícia patrão/trabalhador, assalariada, definida num contrato de trabalho, do qual constam as atividades a serem desenvolvidas pelo trabalhador, a remuneração a ser recebida pelas mesmas, a carga horária, o local de trabalho.
Trabalho este que é formal em razão da existência de uma relação empregatícia e de um contrato de trabalho, embora muitas vezes não ocorra a formalização desse contrato, o que depende do nível de organização e poder econômico da empresa empregadora e da cobertura legal da mesma.
Como muitas das atividades no mercado do sexo são ilegais o contrato de trabalho frequentemente não é registrado em carteira profissional e não há recolhimento de encargos sociais, razão pela qual os trabalhadores não usufruem de direitos trabalhistas e previdenciários.
A remuneração da mão-de-obra é diferenciada e depende das aptidões dos empregados em gerar lucro, ou seja, sua capacidade em fazer os clientes a consumirem os serviços oferecidos (como bebidas, comidas, drogas, shows eróticos, massagens, saunas, serviços sexuais especiais). Em síntese, a remuneração depende da produtividade, não havendo salário pré determinado. Em certos prostíbulos a produtividade da trabalhadora é avaliada pelo número de clientes atendidos e/ou pelo tipo de programa "vendido" e executado.
Nesse mercado de trabalho há rigorosa seleção de mão-de-obra, segundo os critérios de atributos físicos, aptidões e experiência, com base em perfis definidos pela demanda; para atender demandas mais sofisticadas a mão de obra é cada vez mais especializada.
Como em qualquer empresa capitalista no mercado do sexo os trabalhadores têm que ser capacitados ou se capacitarem em serviço, em tempo recorde, pois o tempo gasto na capacitação implica prejuízos do proprietário, como "capital imobilizado." Face à acirrada concorrência existente neste mercado as empresas investem no padrão de oferta e de qualidade, e para atender demandas mais sofisticadas a mão de obra é cada vez mais especializada.
A renovação de estoque é também uma das estratégias desse ramo de negócios. Diante do desgaste da força de trabalho empregada e a redução da produtividade, o que acontece muito rápido devido ao uso de drogas, trabalho intenso e doenças que contrai. Quanto tal ocorre a empresa se descarta, negociando o passe do(a) trabalhador(a) para estabelecimentos de nível inferior ou transferindo-o(a) para outras atividades, como tráfico de drogas, aliciamento, trabalhos manuais na empresa.
No trabalho de prostituição em bordéis é comum que o contrato de trabalho embora existente não seja formalizado. As condições de trabalho vão sendo explicitadas com o tempo, como: outras atividades, controles, avaliação de desempenho, produtividade e sanções/punições.
O programa, segundo RENAR SPRINGER DE FREITAS, é a unidade elementar da atividade de prostituição. Tem por base acordos prévios sobre três itens: as práticas ou o serviço a ser prestado; o tempo a ser gasto na prestação do serviço e o preço do serviço, no caso do trabalho formal definidos pelo proprietário do estabelecimento comercial.
Em geral, a trabalhadora em serviços de prostituição não goza de autonomia na determinação do tempo a ser gasto na execução do programa e sua produtividade é pré-estabelecida pelo gerente ou dono do negócio.

O TRABALHO ESCRAVO

Uma das concepções sobre o uso de crianças e adolescentes no mercado do sexo é a de que este tipo de violência sexual é uma forma moderna de escravidão. Nos bordéis no norte do Brasil, no tráfico e em algumas produções pornográficas de extrema violência e crueldade, foi possível identificar uma série de características de escravidão. Trata-se de trabalho escravo
As pesquisas indicam que nas situações de extrema gravidade verifica-se:
compra, venda, troca ou revenda de crianças e de adolescentes, caracterizando-se uma relação de propriedade e de comercialização de vidas humanas, nas quais a mercadoria não são os serviços sexuais prestados mas a própria pessoa escravizada;
Engano no convite (proposta de trabalho), quanto ao trabalho a ser realizado, condições de vida, de trabalho e remuneração;
Perda do direito de ir e vir (confinamento, liberdade vigiada, prisão domiciliar ou cárcere privado);
Perda do direito a comunicar-se com possíveis aliados;
Castigos físicos, torturas, assassinatos;
Proibição de abandono do emprego, com captura, castigos ou morte em caso de fuga;
Vigilância e controle exacerbados da vida privada;
Controle absoluto do consumo da adolescente escravizada, gerando dívidas jamais saldáveis e aprisionamento na situação de escravidão;
Contrôle absoluto do patrão/proprietário sobre os ganhos e lucros produzidos pela trabalhadora, e não acesso da mesma à sua conta (ganhos e despesas);
Super exploração da força de trabalho, através da exigência de alta produtividade, grande número de horas de trabalho, ausência de direitos trabalhistas (como contrato de trabalho formalizado, descanso semanal, férias, salário mínimo) e previdenciários.

O TRABALHO AUTÔNOMO

Identifica-se no mercado do sexo um tipo de atividade realizada por trabalhadores não contratados pelo mercado formal do sexo e que trabalham por conta própria e exercem suas atividades na prostituição de rua, incluindo meninos e meninas de rua, ou através da oferta individual de serviços sexuais, por exemplo em anúncios na imprensa.
É um trabalho cujo objetivo é a comercialização de serviços sexuais entre um consumidor e um profissional remunerado pelos serviços prestados. O contrato existente é entre o (a) profissional e o cliente, numa relação de consumo/prestação de serviço. Trata-se de um trabalho pois tem um valor de uso. No entanto, como esses trabalhadores não têm contrato de trabalho com empresários capitalistas do ramo de negócios do sexo não geram lucro, e segundo a concepção marxista não são explorados. Trabalho este que denominamos “contrato sexual autônomo ”.
Fonte: www.cecria.org.br

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